Uma oportunidade para avaliar o setor elétrico

A severa recessão econômica em que o Brasil mergulhou desde o ano passado reduziu drasticamente o consumo de energia elétrica e tirou do horizonte de curto prazo o risco de escassez que houve poucos anos atrás. Ajuda a compor esse cenário a normalização das chuvas, que elevou o nível dos reservatórios em boa parte do país. Estudo inédito do Instituto Acende Brasil publicado nesta semana pelo Valor sustenta que não há possibilidade de desabastecimento até 2020, mesmo em caso de aumento da demanda e de atraso no funcionamento de usinas projetadas e no calendário de construção de linhas de transmissão. 

 

Levantamento da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) informa que o consumo de energia acumulou queda de 2% neste ano até maio e 2,5% em 12 meses, puxada principalmente pela indústria e comércio. Empresas que contrataram energia em quantias superiores às que estão consumindo entraram no mercado para vender suas sobras, aumentando a oferta. 

 

Apesar de uma ligeira redução observada no início deste mês, o nível dos reservatórios está acima do registrado na mesma época em 2015, na maior parte do país. Os reservatórios da região Sul estão com 84,1% da capacidade, em comparação com 74,2% no ano passado. No Sudeste e Centro-Oeste, regiões que respondem por cerca de dois terços da geração de energia hidrelétrica brasileira, chamadas de caixa d'água do país, o nível dos reservatórios está em 55%, bem acima dos 36,7% de 2015; e no Nordeste, está em 25,7% frente a 24,5%. Houve recuo apenas nos lagos das usinas da região Norte, para 58,5% dos 79,5% do ano passado. 

 

As sobras correspondem a cerca de 20% do consumo anual, ou 13 mil MW médios, de acordo com o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE). A queda do consumo aumenta as perdas das distribuidoras que estão sobrecontratadas, em posição radicalmente oposta à de alguns anos atrás. Para amenizar o problema, o governo pensa em vender energia à Argentina e cancelar a construção de usinas e de projetos. (Folha 13/7). 

 

Mas a ideia de suspender obras ainda não iniciadas não parece sensata sem uma profunda avaliação. Obras de porte costumam levar muito tempo para serem concluídas – mesmo quando não há atrasos – e até isso ocorrer o cenário pode ter mudado. É o que mostram as recentes experiências das hidrelétricas de Jirau e Belo Monte.

 

O diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires, escreveu em artigo recente (Estado, 13/7) que, há 26 anos o Brasil alterna ciclos de falta de energia com ciclos de sobra. Foi o que aconteceu no início do século, no governo de Fernando Henrique Cardoso, quando um período de falta de energia exigiu um racionamento e até influenciou na vitória do ex-presidente Lula. O consumo se retraiu e Lula atravessou seus dois mandatos sem problemas nessa área. Já em 2012, no primeiro mandato da presidente afastada Dilma Rousseff, o incentivo ao consumo dado por redução de 20% do preço da energia, com atraso em obras e em leilões e a posterior falta de chuvas colocaram em xeque o sistema. Segundo Pires, só não houve outro racionamento porque foi aplicado um aumento de 50% nos preços da energia em 2015, e o consumo encolheu com a recessão. 

 

Esse período de bonança, ou pelo menos de menor pressão da demanda, deveria ser aproveitado para se planejar o futuro da energia no Brasil a longo prazo. Há várias sequelas da fatídica Medida Provisória 579, editada pela presidente afastada Dilma em 2012, ainda não curadas. As distribuidoras estão sobrecontratadas, com dívidas elevadas, descarregadas nas contas dos consumidores. Não está resolvida a questão das regiões fora do sistema interligado nacional, que têm que apelar para as caríssimas termelétricas, uma conta que recai para todo o país e é alvo de centenas de medidas judiciais. 

 

O Acende Brasil lembra o déficit de geração hídrica das geradoras, que ocorreu devido à queda do consumo, aliado à contínua operação das térmicas e à contratação de energia de reserva, que causou um salto na inadimplência na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). A privatização é outro ponto a avançar. Recentemente, a Medida Provisória 735 abriu caminho para a privatização no setor elétrico, nomeadamente das distribuidoras da Eletrobras, começando pela Celg D. Mas o governo deseja abrir o capital e vender ações de geradoras ligadas à Eletrobras, uma tarefa que por si só vai exigir bastante trabalho.

 

Fonte: Valor Econômico

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