Por paradoxal que pareça a afirmação “mais competição, mais regulação”, é este binômio fortemente interligado de ações que poderá trazer a desejada evolução das regras para um novo modelo de gestão do setor.
Quando se deseja mais regulação, não significa que o mercado deva ser engessado por uma infinidade de regras que inibam os agentes de agirem conforme seus interesses de negócios, buscando o natural e salutar retorno adequado aos seus planos de investimentos. Não se quer uma regulação impositiva e inibidora de ações e que provoque o afastamento da participação de investimentos. Deseja-se que as regras sejam estabelecidas de forma transparente, com ampla participação do setor e, sobretudo, sejam estáveis e previsíveis.
No período entre 2004 e 2012 foi possível observar uma relativa estabilidade da regulação, não obstante ter havido o gradativo enfraquecimento do regulador em muitas de suas atribuições, em direção diferente daquela arquitetada quando de sua criação. Em 1997, a ANEEL foi criada para regular um setor que se abria para o capital privado e para a competição gradativa, e a Agência deveria ter o papel efetivo de fiscalizador e garantidor da competição justa entre agentes do mercado onde ela fosse possível e necessária para se garantir o suprimento a preços competitivos. No entanto, a competição não ocorreu na forma inicialmente planejada, e nem o regulador se fortaleceu e se estruturou para exercer o papel efetivo que dele se espera. A lei 9074/95, e sua regulamentação, previa a abertura e competição gradativamente implantadas, que não se efetivaram na plenitude planejada.
A partir de 2012, com a edição da MP 579, posteriormente convertida na Lei 12.783/2013, o setor se desarranjou de uma forma tão profunda e inesperada, que as discussões e dispositivos regulatórios que se sucederam a partir de então geraram uma “colcha de retalhos” difícil de ser conduzida adequadamente num horizonte de sustentabilidade de regras de longo prazo. Alguns exemplos, dentre muitos largamente conhecidos pelos agentes e investidores, que corroboram esta tese são: (i) necessidades de criação de subsídios do Tesouro às distribuidoras, prometidos mas somente atendidos parcialmente; (ii) subcontratação e consequente exposição calamitosa e sem precedentes das distribuidoras em período de valores nominais de PLD mais elevados que jamais haviam sido registrados; (iii) captação de empréstimos no mercado financeiro pela CCEE para socorro emergencial às distribuidoras, cuja pagamento deverá ser honrado com reajuste tarifário ao consumidor, já contratado para os próximos anos; (iv) em consequência, severas dificuldades de fluxo de caixa das distribuidoras, jamais experimentadas pelas empresas mais bem administradas do setor, com inibição de investimentos e riscos de perda de qualidade no fornecimento ao consumidor final; (v) paralização do mercado livre, que somente em 2016 tem retornado, conjunturalmente, à uma maior dinâmica de negócios, mas sem uma perspectiva segura de sustentabilidade; (vi) paralização do mercado de curto prazo na CCEE, fato que foi visto com esta dimensão indesejada somente à época do racionamento em 2001; (vii) quando foi possível contabilizar as operações na CCEE, a respectiva liquidação financeira apresentou índices de inadimplência elevados, com aplicação do “loss sharing” altamente prejudicial aos credores do mercado; (viii) setor de geração hidrelétrica com altos débitos acumulados na CCEE devido ao fator GSF e geradores termelétricos despachados mas sem receber, o que levou à judicialização do mercado, única forma encontrada pelos agentes para se protegerem da insolvência de suas atividades operacionais e do risco de paralização dos investimentos planejados.
É evidente que o resultado visível de toda esta desorganização levaria à inibição de investimentos. O capital não convive com risco regulatório. Os resultados dos leilões e os pedidos de excludentes de responsabilidade que se sucedem na pauta de decisão da ANEEL, são exemplo vivo desta realidade.
Este espaço não comporta listar muitos outros fatores negativos desencadeados após 2012, que levaram às alterações paliativas da regulação para tentar solucionar problemas emergentes, e que são insustentáveis a médio e longo prazo.
Há unanimidade dos agentes e das associações no clamor pela alteração das regras do setor e de uma redefinição do papel dos agentes. Ou seja, alteração profunda no atual modelo. Em qualquer evento do setor este tema é recorrente e o mais discutido e abordado em todos os painéis e mesas de debates. O mais importante evento anual do setor, o ENASE, mostrou claramente esta realidade.
Urge que as ações para esta tão desejada mudança sejam tomadas. Os novos mandatários das instituições são profissionais de mercado, experientes e com enorme credibilidade entre os agentes. Vivenciaram todo este período de incertezas e problemas. Certamente tomarão as medidas necessárias para uma ampla rediscussão do modelo, visando solucionar as questões emergenciais e preservar a sustentabilidade do setor no longo prazo.
O novo modelo certamente terá um regulador forte, preparado e estruturado para exercer plenamente suas atribuições de fiscalizar, regular e preservar os interesses de todos os agentes e do consumidor final, num ambiente virtuoso onde a competição é fundamental e a regulação é necessária.
Várias ideias estão sendo discutidas e deverão ser motivo de amplo debate democrático antes de sua efetiva seleção para serem implementadas. As distribuidoras, hoje responsáveis pela definição dos volumes de expansão da oferta, através da obrigatoriedade de declarar suas necessidades de mercado futuro nos leilões regulados, são os agentes que se expõem aos maiores riscos e à volatilidade de exposição em seu portfólio, saindo rapidamente de posição de subcontratação para, em curto espaço de tempo, passarem a apresentar inimagináveis sobras, que segundo a ABRADEE superam 13% no atual momento.
Somente trilhando esta direção de mudanças e alterações nas regras e no papel institucional dos diversos agentes e órgãos do setor, é que haverá mais investimentos, e consequentemente mais empregos para todos os segmentos de negócios que o setor largamente comporta.
Não queremos mais ver leilões regulados contratarem insignificantes volumes da ordem de 200 MW médios, pondo em risco o abastecimento futuro de energia.
*José Antônio Sorges é diretor da Ludo Energia
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