As distribuidoras de energia querem uma espécie de "solução múltipla" para resolver definitivamente o problema das sobras de eletricidade acumuladas por causa do agravamento da crise econômica. Elas estão com 113% de sua demanda nacional contratada em 2016, ou seja, muito acima do necessário para atender à clientela. Esse excedente não pode ser repassado às tarifas e o custo fica com as empresas.
O pior, segundo levantamento da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) ao qual o Valor teve acesso, é que esse número representa apenas uma média de todas as concessionárias. Pelo menos sete empresas estão contratadas em mais de 115% de suas necessidades. A legislação atual permite nível de tolerância menor – só se aceita repasse às contas de luz quando o volume de energia contratada representa, no máximo, 105% da demanda.
Por razões opostas às que estavam colocadas até 2014, quando uma falha no planejamento dos leilões e reservatórios esvaziados deixaram as distribuidoras subcontratadas, o segmento vive um novo risco de desequilíbrio econômico-financeiro – agora em função do excedente de energia. "Essa é a nossa grande preocupação", diz o presidente da Abradee, Nelson Leite, lembrando que o problema tende a se agravar. Devido à entrada em operação de eletricidade contratada em leilões no passado recente, esse volume alcançará 115,8% da oferta em 2019. Haverá uma sobra 10,4 mil megawatts (MW) médios, segundo estimativas da associação, com base em números do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
Além da demanda mais baixa, por causa da recessão, Leite aponta outras duas causas para as sobras acumuladas. Uma foi o "realismo tarifário" adotado desde o início do segundo mandato, com alta de até 50% nas contas de luz. Cálculos da Abradee indicam que, para cada 10% de reajuste, o consumo cai 1,3 ponto percentual. Outra questão importante é que, diante do tombo nos preços do megawatt-hora, há um grande movimento de empresas migrando para o mercado livre: hoje existem cerca de dois mil pedidos de consumidores que querem sair da esfera das distribuidoras para negociar livremente.
"A sobrecontratação ocorreu por vários fatores, mas não podemos aceitar a tese de risco ordinário", argumenta Leite. O primeiro pleito do segmento é um reconhecimento de que as sobras decorrentes da migração de consumidores para o ambiente livre – em torno de 600 MW médios desde janeiro – ocorreu de forma "involuntária" e, por isso, o custo não pode ficar com as próprias distribuidoras. Uma audiência pública para debater essa alocação de "risco involuntário" foi realizada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em 2013, mas não houve definição.
As empresas também vão propor ao ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, mudanças no decreto presidencial 5.163 de 2004. Um dispositivo do decreto exige que pelo menos 96% da energia descontratada anualmente seja vendida pelas geradoras no mercado regulado.
A intenção era boa: como se trata de um volume de eletricidade mais barato, porque provém de usinas parcial ou totalmente amortizadas, a exigência favorecia a apropriação desse montante pelas distribuidoras. Mas o tiro hoje sai pela culatra: se a regra continuar válida, elas precisarão recontratar mais 2 mil MW médios no fim de 2016 – mesmo sem haver demanda para isso.
A pauta a ser levada pela Abradee ao ministro Coelho Filho e à Aneel envolve a liberação para a prática de descontos aos grandes consumidores – indústrias, hipermercados e shopping centers – nos horários de ponta. E também uma negociação mais ampla com as donas de novas usinas em atraso. O objetivo é uma compensação entre sobras e déficits.
Fonte: Valor Econômico
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