Armazenamento de energia: o Brasil precisa ser mais ágil

​Um workshop internacional organizado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e pela Embaixada Britânica, em Brasília, nesta quinta-feira, 31 de março, mostrou como o Brasil está há alguns anos-luz de distância em relação a outros países que demonstram mais preocupação com as formas de armazenar energia. Mas as perspectivas, ao contrário, são muito positivas, pois considera-se que a forte expansão das fontes renováveis de energia elétrica na matriz energética levará automaticamente ao crescimento da demanda por sistemas de armazenamento destinados a viabilizar a participação dessas fontes (principalmente energia solar e eólica) nas redes de distribuição.

 

Como o workshop mostrou, o Brasil já está correndo para tentar corrigir o atraso tecnológico. Isso ficou muito claro em uma apresentação feita em um dos painéis por Carlos Augusto Leite Brandão, presidente da Associação Brasileira de Armazenamento e Qualidade de Energia (Abaque). Como revelou, o armazenamento de energia entrou na agenda do setor elétrico brasileiro apenas em meados de 2015. Em agosto desse ano, havia 1.278 projetos da chamada “energy storage” em todo o mundo. Agora, os projetos já somam 1.475.

 

Além disso, a Abaque está organizando uma comitiva aos Estados Unidos, para participar da 26ª conferência anual da The Energy Storage Association, na cidade de Charlotte, estado da Carolina do Norte. Ou seja, enquanto o assunto está apenas engatinhando no Brasil, os americanos já estão há quase três décadas tocando a bola para a frente.

 

Esses detalhes, na sua opinião, não significam que devam ser desprezadas as iniciativas locais. Na sua avaliação a Aneel deu um passo significativo à frente nas discussões sobre o tema, principalmente considerando que, em nível mundial, todos os projetos se desenvolvem em grande velocidade.

 

O Brasil aparentemente acordou. Entretanto, precisará dar alguns saltos, para diminuir a distância que o separa de outros países. Para o dirigente da Abaque, o País enfrentará alguns desafios, entre os quais constituir uma cadeia de produção industrial com rapidez. Além disso, em abril próximo a Abaque deverá divulgar o primeiro estudo de mercado sobre o tema no Brasil, que a associação considera em condições para dispor de uma capacidade instalada de armazenagem de energia da ordem de 90 GW/h numa projeção para os próximos 10 anos. Esse potencial não considera os chamados serviços ancilares, que são aqueles que complementam as atividades principais de geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica.

 

O evento da Aneel mostrou que, além do tipo de regulação, há nos outros países uma preocupação com a tecnologia a ser aplicada nos casos de armazenamento de energia. Para um país como o Brasil, as baterias de lítio surgem como uma espécie de menina dos olhos, principalmente levando em conta que 60% das reservas de lítio se localizam na América Latina, basicamente em países próximos, como a Bolívia e o Chile.

 

Steven Schwartz, da Parker Hannifin Corporation, argumentou que as baterias têm a vantagem de serem recarregadas quando existe menor demanda por energia elétrica e também quando os custos encontram-se no ponto mínimo, mas, por outro lado, já é o momento para se começar a pensar no que fazer na hora de descartar as baterias velhas (a vida útil é estimada em 10 anos).

 

Aparentemente, na visão dos especialistas, não há muitas divergências quanto à ideia do armazenamento de energia, razão pela o Brasil não precisa perder muito tempo com questões teóricas e pode queimar etapas em projetos desse tipo. O próprio diretor André Pepitone, da Aneel, mostrou que uma política de eficiência energética seguramente passa pela questão do armazenamento, coisa, aliás, que o Brasil já faz há muitos anos com razoável competência através da gestão da água contida nos reservatórios das hidrelétricas.

 

Jonathan Radcliffe, do Instituto de Energia da Universidade de Birmingham, acredita que só no Reino Unido pode ocorrer uma economia de 8 bilhões de libras por ano através de ações de armazenamento de energia. Entretanto, ele alerta que não existe “receita mágica”, ou seja, já houve um considerável avanço com as baterias de lítio e painéis fotovoltaicos, mas ainda não é hora de parar de inovar. Da mesma maneira que o seu colega Schwartz, da Parker, considera que o mercado hoje tem uma característica única, que é a observância dos interesses diretos dos consumidores e não apenas das empresas. Parker não tem dúvida que, no futuro próximo, a regulação se voltará para alternativas de armazenamento de longo prazo.

 

Qualquer que seja a “cara” da regulação, no futuro próximo, porém, na visão de Rodrigo D´Elia, diretor de Desenvolvimento de Novas Tecnologias da AES, sempre haverá, de agora em diante, um desafio para quem opera e para quem planeja o setor elétrico, devido à participação cada vez maior das energias renováveis na matriz energética.

 

Na opinião de muitos especialistas, as renováveis têm a característica positiva de melhorar a qualidade da energia gerada, mas, por outro lado, como são intermitentes tornam mais difíceis as condições de planejamento e operação. Portanto, caberia ao armazenamento atuar como uma espécie de “moderador”, corrigindo os efeitos intermitentes das renováveis.

 

Nas contas de D´Elia, em todo o mundo a “energy storage” soma alguma coisa em torno de 2,7 GW. Mas tem um dado fundamental, que mostra a perspectiva do negócio: ele observou que, há quatro meses, era 40% menos. A AES, conforme explicou, tem atuado fortemente nessa nova tecnologia e, em termos planetários, teria cerca de 20% do mercado do armazenamento através de baterias. O Chile é o país mais avançado nesse campo, na América Latina, com 50 MW já instalados. No Brasil, só agora a AES prepara a instalação de uma usina-piloto bem pequena, que funcionará na usina de Bariri. O especialista, contudo, acredita que o Brasil tem um potencial de 1 GW nos próximos 10 anos.

 

Ele está otimista com a notícia que vem da Califórnia, onde a AES ganhou um leilão para instalar um projeto de armazenamento de 100 MW. Quando em operação, em dois anos, essa usina vai gerar durante seis horas por dia. Em todo o mundo, a empresa AES toca um total de 350 MW em projetos de armazenamento.

 

Outro operador internacional, a italiana Enel, também está de olhos abertos para projetos de armazenamento de energia, inclusive no Brasil. Ela já vem trabalhando no tema desde 2008, mas, na visão de Christiane Gusman, uma pesquisadora da empresa, o “calcanhar de Aquiles” é a integração à rede. A empresa também opera no Chile, mas o seu projeto brasileiro deu uma parada, devido à falência de um parceiro estratégico, o que está levando os italianos a recomeçar o projeto em outras bases.

 

Em meados dos anos 90, o Reino Unido foi uma espécie de berço para o nascimento de muitas ideias que hoje moldam o sistema elétrico mundial. A visão de pioneirismo continua a prevalecer. É por isso que, hoje, quem corre o mundo, como uma espécie de embaixador itinerante da Grã Bretanha, visando à implantação de projetos de armazenamento de energia, é Sir David King, a quem coube a tarefa de abrir o evento na Aneel, na condição de representante do Ministério das Relações Exteriores do seu país.

 

Para King, embora a energia eólica atualmente já esteja competindo razoavelmente com outras fontes mais tradicionais de energia elétrica, o fato é que o mundo ainda está apenas aprendendo com a contribuição das renováveis no campo da geração. “Ainda precisamos de subsídios”, declarou, salientando que “estamos ainda numa fase de descarbonização da economia global”, cuja meta, fixada na reunião das mudanças climáticas, em Paris, consiste em reduzir a temperatura da Terra em 1,5º. Nesse contexto, segundo King, projetos de armazenamento de energia constituem uma espécie de tecnologia-chave para descarbonizar o planeta.

 

Ele falou na abertura do evento (e depois deu mais detalhes em conversa reservada com este site) a respeito da reunião que ocorrerá no dia 02 de junho, em San Francisco, reunindo representantes dos países detentores das 20 maiores economias, inclusive o Brasil. O objetivo é aplicar um total de US$ 20 bilhões por ano, até 2020, de modo que seja possível atingir a ambiciosa meta de 100% de energia limpa. “Não temos muito tempo a perder”, lembrou Sir David King. No Reino Unido, ele acredita que será possível diminuir substancialmente o uso de carbono nos próximos 15 anos, sem contar que faz parte dos planos britânicos não utilizar derivados de petróleo em sistemas de mobilidade até 2050.

 

Para o representante do Ministério de Relações Exteriores da Grã-Bretanha, as novas tecnologias, associadas à energia limpa, precisam ser competitivas para concorrer com outras formas mais maduras de geração. Ao citar o compromisso global de descarbonizar em 50% as emissões até 2025, King afirma que é fundamental inserir a energia elétrica de fontes renováveis na rede e preencher as lacunas tecnológicas. Nesse sentido, destacam-se os projetos de armazenamento de energia, que é um desafio a ser superado pelos países.

 

O diretor José Jurhosa, da Aneel, lembrou muito bem que a questão do armazenamento faz parte de um “pacote” entre as tendências do mundo moderno da energia elétrica, no qual se inserem o aumento das preocupações com as questões ambientais, os custos de fornecimento, a segurança e a confiabilidade dos sistemas de suprimento de energia. Como as fontes renováveis de energia como a solar, a eólica e a biomassa não são permanentes, ganham importância as tecnologias de armazenamento de energia.

 

“Considero que há potencial para que o desenvolvimento de sistemas de armazenamento de energia ganhe impulso diante do avanço científico e tecnológico alcançado, combinado com a necessidade imediata de dotar sistemas de transmissão e distribuição de alternativas modernas para encarar os desafios no suprimento de energia elétrica”, avalia Jurhosa.

 

Há um diagnóstico a respeito do qual ficou muito claro no evento organizado pela Aneel e pela Embaixada Britânica. As baterias são factíveis para serem utilizadas em sistemas de armazenamento de energia, mas ainda são muito caras, razão pela qual os governos e empresas precisam investir mais em Pesquisa & Desenvolvimento, de modo que essa tecnologia possa contribuir mais efetivamente com as políticas de eliminação dos combustíveis fósseis, seja na movimentação de veículos ou no acionamento de térmicas.

 

Fonte: Paranoá Energia

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