Contextualizando o setor elétrico

Em fevereiro, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) decidiu desligar 7 usinas termoelétricas (UTEs) que totalizam cerca de 2 mil MW de capacidade instalada. No final do mesmo mês, anunciou o desligamento de mais 14 UTEs com capacidade instalada de 2,981 MW. O CMSE estima uma economia de R$ 10 bilhões ao ano. O comando para o desligamento das térmicas era esperado, por uma conjunção de fatores favoráveis que, casualmente, ocorreram no mesmo período: a recomposição do nível dos reservatórios, o aumento de energia disponível e a redução da demanda. Sem a queda na demanda de eletricidade não seria possível desligar as térmicas, mesmo com a melhora na hidrologia. A redução da demanda trouxe um alívio, mas esse cenário põe em descompasso a situação das concessionárias de distribuição.

Aquelas que antes lidaram com a exposição, agora estão começando a ficar sobrecontratadas, com mais energia para oferecer do que o necessário. De acordo com a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), o excedente das concessionárias de distribuição chega a 3 mil MW médios. Pelas últimas previsões divulgadas pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico, em parceria com a Empresa de Pesquisa Energética, o consumo estimado de energia elétrica para 2016 deve crescer só 1% em relação a 2015.

Essa expectativa representa, de certa forma, um alívio para o governo federal diante dos desafios de aumento da oferta de energia no País. Se a economia estivesse mais acelerada, certamente os dilemas para garantir essa oferta seriam mais preocupantes. Outro fator favorável para o desligamento das UTEs é a evolução positiva do período úmido, em razão do fenômeno El Niño, que vem possibilitando a gradual recomposição do nível dos reservatórios das hidrelétricas. Em janeiro e fevereiro de 2016, o nível de armazenamento dos reservatórios de todos os subsistemas ficou acima do registrado em iguais meses de 2015.

Com a redução do número de térmicas, o patamar da bandeira tarifária foi revisto e, pela primeira vez desde o início de sua vigência, passa da bandeira vermelha para a amarela em março de 2016, e em abril a Aneel já sinaliza bandeira verde. Assumindo a redução de patamar das bandeiras tarifárias, estima­se que as tarifas de eletricidade dos consumidores finais, em 2016, tenham aumento médio de 5,4% (em termos nominais), fato que contribuirá para conter a inflação brasileira. Muitas questões ainda precisam ser solucionadas no setor.

As térmicas, acionadas para garantir a segurança energética por um longo período, agora lutam para receber todos os seus créditos nas liquidações financeiras da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). A Associação Brasileira de Geradoras Termelétricas calcula que, somente na liquidação que aconteceu em fevereiro, referente a outubro e novembro de 2015, os geradores termoelétricos não receberam cerca de R$ 2 bilhões. Na liquidação do mercado de curto prazo, ocorrida em fevereiro, a inadimplência chegou a 60,97% (equivalente a R$ 3,861 bilhões) do total de R$ 6,333 bilhões contabilizados.

Segundo a CCEE, do valor não pago, 58,66% (R$ 3,715 bilhões) correspondem a montantes relacionados a decisões judiciais referentes ao Generation Scaling Factor. O processo de repactuação do risco hidrológico precisa, ainda, promover o parcelamento dos montantes devidos por alguns geradores hidrelétricos, que estão em fase de motorização. Caso contrário, ficam inviabilizados do ponto de vista econômico e impedem a construção de novos. O governo não pode deixar que fatores exógenos (melhoria na hidrologia e queda na demanda ocasionada pela crise econômica) mascarem os problemas do setor elétrico e, com isso, volte a praticar políticas baseadas no populismo tarifário e na pouca transparência. Ao contrário, deveria aproveitar a oportunidade para promover um planejamento de longo prazo, com medidas concisas, eficientes e capazes de garantir estabilidade regulatória e econômica e segurança na oferta de energia elétrica.

Adriano Pires – Diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie)

Fonte: Estadão

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