ONS manda desligar turbinas de usina que “salvou” leilão

A usina hidrelétrica que mais vendeu energia no leilão emergencial do dia 30 de abril, cujo resultado foi considerado “um sucesso” pelo governo, não produziu um único megawatt desde então. Localizada em Minaçu (GO), no rio Tocantins, a usina de Serra da Mesa teve suas turbinas totalmente desligadas para poupar água do reservatório e hoje completa 22 dias sem entregar nenhum dos 382 MW médios com os quais havia se comprometido para cobrir o rombo das distribuidoras a partir de 1º de maio.

Esse paradoxo ilustra o grau de complicação que o setor elétrico enfrenta para fechar suas contas neste ano. O certame tinha como objetivo eliminar ou reduzir o volume de eletricidade descontratada pelas distribuidoras. Ao todo, foram negociados 2.046 MW médios, o que fez o governo respirar aliviado. Serra da Mesa foi a usina, entre hidrelétricas e térmicas, que entrou individualmente com maior peso no leilão – representou 12,5% da oferta total.

Em teoria, o leilão resolveu boa parte do déficit no volume de energia contratado pelas distribuidoras. Até então, elas precisavam recorrer ao mercado de curto prazo, tendo que pagar o valor recorde de R$ 823 por megawatt-hora para completar suas necessidades de suprimento. O leilão permitiu que elas trocassem essa compra mais cara no mercado “spot” por contratos com preços em torno de R$ 270. A eletricidade fornecida por Serra da Mesa, que é controlada pela estatal Furnas, ajudou a tapar esse rombo.

Na prática, a questão é mais sutil. Em uma estratégia para guardar os estoques de água em reservatórios considerados estratégicos, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) determinou que as turbinas de Serra da Mesa fossem desligadas, como forma de chegar ao fim do período de estiagem, em novembro, com nível menos crítico.

Resultado: a hidrelétrica ainda não pôde gerar nem uma fração daquilo que foi vendido no certame. Para as distribuidoras, que estavam no olho do furacão, não há desfalque financeiro. Elas continuam pagando exatos R$ 270,80 por cada megawatt-hora do volume comercializado por Serra da Mesa, mesmo que se trate até agora de uma “energia de papel”, jamais produzida. O pepino, agora, ficou na mão das geradoras: Furnas leva ao Mecanismo de Realocação de Energia (MRE), uma espécie de “condomínio” das usinas em atividade, a necessidade de repor o volume que sua hidrelétrica não tem sido capaz de atender.

O problema é que, diante da escassez de chuvas, o MRE está negativo – gera menos do que sua garantia física. Isto é, as usinas não conseguem comprar megawatts que estão “sobrando” em outros lugares e precisam recorrer ao mercado de curto prazo para completar suas necessidades, onde o MWh vale R$ 822,83.

Essa conta é rateada por todas as geradoras que fazem parte do “condomínio” e não pesa individualmente sobre Furnas, evitando um pesadelo financeiro para a estatal, mas descapitaliza o segmento todo. Trata-se do que, no jargão da energia, é chamado de “risco hidrológico”. Em outras palavras, a conta do setor elétrico continua salgada, apesar do leilão emergencial; apenas mudou de endereço.

O reservatório de Serra da Mesa estava com 45,39% de sua capacidade máxima no início de maio. Esse é o menor nível para o período desde 2004. A estratégia do ONS já surtiu efeito: a acumulação subiu para 47,12%. Isso foi possível graças ao aval da Agência Nacional de Águas (ANA) para reduzir a defluência mínima do reservatório. Como se fossem caixas d’água, as represas de usinas têm uma vazão de entrada e outra de saída. Enchê-las ou esvaziá-las é a diferença entre uma e outra. No caso de Serra da Mesa, a saída não podia ser inferior a 300 m3 por segundo, mas a ANA suspendeu essa exigência até o fim de maio. Nesta semana, por exemplo, a defluência mínima tem sido de 66 m3 por segundo.

Isso impede a geração de energia, que foi interrompida na segunda quinzena de abril, mas evita o esvaziamento do reservatório em um momento crítico para o setor. Serra da Mesa tem papel central na interligação dos subsistemas Norte e Sudeste/Centro-Oeste. Sua capacidade instalada é de 1.275 MW e ela tem o maior reservatório de hidrelétrica do Brasil: são 54,4 bilhões de m3 de água em 1.784 quilômetros quadrados de área.

Por isso, junto com o acionamento das usinas térmicas a todo vapor, foi uma das hidrelétricas escolhidas pelo ONS para implementar sua estratégia de poupar água e evitar crise no abastecimento de energia até a volta da temporada de chuvas. No documento “Sumário Executivo” do Programa Mensal de Operação, atualizado semanalmente pelo ONS, há uma lista de hidrelétricas que devem ter sua geração “minimizada” nas bacias do rio Grande (Jaguara), do rio Paraná (Ilha Solteira, Três Irmãos, Jupiá e Porto Primavera) e do rio São Francisco (Três Marias). Serra da Mesa, que terá “geração nula” pelo menos até o fim desta semana, é o caso mais extremo da lista.

Em situação inversa a Serra da Mesa está a hidrelétrica Tucuruí, que dispõe de capacidade limitada para reter água no reservatório. Além disso, a usina é uma das poucas do país que conta com condições favoráveis para gerar energia devido às chuvas dos últimos meses na região Norte. Por estas razões, ONS emitiu ordem de operação em tempo integral à hidrelétrica, também localizada na bacia do rio Tocantins, mas no Estado do Pará. O Programa Mensal de Operação determinou que “a geração da UHE Tucuruí será maximizada em todos os períodos de carga”. O documento coloca a usina no topo de prioridade de despacho. Na contratação emergencial em abril, a usina negociou a venda de 280 MW médios – o segundo maior volume contratado no certame. Tucuruí gera acima do volume que se comprometeu a entregar ao sistema, sendo a exceção por contribuir para conter o déficit do MRE.

Comentário do Instituto Ilumina

Por essa notícia pode-se até perceber porque a operação do sistema brasileiro é estressante, como declarou recentemente o diretor geral do ONS.

A jusante de Serra da Mesa e, portanto, dependente de parte da água que é liberada pelo reservatório, estão Canabrava (450 MW), Peixe Angical (452 MW), São Salvador (243 MW), Lageado (950 MW) e Tucuruí (8370 MW).
A decisão de desligar turbinas e diminuir a vazão a jusante significa que esses metros cúbicos guardados no reservatório representam alguns MWh que valem muito mais do que os R$ 822 da geração térmica.
Não é fácil tomar essa decisão, pois envolve uma visão de futuro. O operador não está alterando a energia gerada total. Alguém vai gerar a energia que está sendo “guardada”, pois, segundo ele, será mais útil no futuro.
Mas, o que não dá para entender é porque quando a situação hidrológica é abundante, um MWh vale tão pouco (exemplo: R$ 12 em 2011). Se essa visão de futuro fosse estendida a todas as situações, seria óbvio que, ao invés de praticamente “doar” MWh, seria mais inteligente cobrar um pouco mais caro e guardar alguns R$ para ajudar a pagar os R$ 822.
Infelizmente para o bolso dos consumidores, o setor elétrico brasileiro ainda não percebeu essa miopia.

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