Um possível racionamento não deveria surpreender – pequeno estudo do ILUMINA

Apesar de ser um trauma, o racionamento, se houver, não é o aspecto mais grave. O que nos parece quase patológico é a nossa insistência em não ver os sinais. É a nossa parca capacidade de planejamento. É a nossa colonização de mentes que nos leva a adotar mecanismos incompatíveis com o nosso sistema físico. Isso mesmo após já termos passado por experiência traumática semelhante em 2001!

O Ilumina, em 2010, participando de um seminário na COPPE/UFRJ, abordou o tema das alterações estruturais que o sistema vinha sofrendo há tempos. Na ocasião, apresentou exatamente os mesmos gráficos constantes desse estudo com dados até aquela data. Essas curvas talvez sejam as mais importantes para entender que a ameaça de racionamento ou o uso de térmicas no limite já estava traçado há anos.

O primeiro gráfico mostra a energia máxima que pode ser armazenada nos reservatórios dividida pela carga. Ou seja, com os reservatórios cheios, o que essa armazenagem significa em termos do consumo.

Como não temos mais aumentado a nossa capacidade de reserva dada a impossibilidade de se implantar usinas com grandes reservatórios, a carga foi subindo no denominador e essa capacidade se reduziu de aproximadamente seis meses de carga para cinco meses. Simplificando, a carga cresceu 20% no período. A curva mostra oscilações porque a carga varia de mês para mês. O importante é a tendência mostrada pela reta preta.

O segundo gráfico mostra uma curva vermelha que é obtida diminuindo-se da carga toda a geração que não é hidráulica.

Assim, somadas as gerações de todas as térmicas e eólicas, a curva vermelha mostra o mesmo da curva preta, mas com uma carga menor, já que parte está atendida por outras fontes. Seria a carga líquida sob a responsabilidade das hidráulicas. Como se pode ver, a curva vermelha sobe aproximada mente ½ mês de carga.

Contudo, o que chama atenção é que, apesar da geração térmica aliviar a responsabilidade das hidráulicas, a tendência declinante se mantém rigorosamente paralela a anterior.

O que isso significa? Que o sistema apresenta uma lenta diminuição da sua capacidade de estoque, uma variável essencial para qualquer estratégia energética, mas a complementação térmica adotada foi totalmente insensível a esse fenômeno.

Ora, se as térmicas não ajudaram a diminuir um pouco o decréscimo do estoque estratégico, podemos imaginar algumas razões.

Em compensação, São Pedro teria fornecido afluências crescentes no período 2004 – 2012. Vã ”esperança”, pois essa benesse não é confirmada nos dados. O gráfico mostra a energia dos rios em percentual da média de longo termo. Não se vê uma tendência crescente.

Já que São Pedro não mostrou essa boa vontade de compensar com afluências crescentes a diminuição do estoque estratégico, nossa expansão poderia ter acrescentado mais usinas a fio d’água, pois, apesar de não aumentarem a reserva, elas capturam crescentemente mais afluências para serem transformadas em energia. É como se São Pedro nos fornecesse as desejadas afluências crescentes. Infelizmente, parece que isso também não foi feito e o indicador mais significativo é o nosso baixo nível de vertimento (jogar água pelo vertedouro). Ou seja, no período, não conseguimos nem encher os reservatórios. O Gráfico abaixo mostra na linha preta (em GWh), que mesmo com afluências 20% acima da média, (2011), nosso percentual de vertimento (obrigatórios + eventuais) é muito baixo.

E as eólicas? Como se pode ver no gráfico abaixo, obtido de dados reais de operação, elas geram mais nos momentos onde os rios decrescem sua oferta. Qual o problema então? A escala da direita é a dos rios em GWh. A da esquerda é a dos ventos. Se tivéssemos nos esforçado para ter pelo menos 10 vezes mais usinas eólicas, talvez a situação estivesse melhor. Mas, ao invés disso, fizemos leilões genéricos sob a ideologia de que o mercado é que deve decidir. Resultado? Estamos atrasados nas eólicas.

 Se nem São Pedro e nem usinas a fio d’água nos acudiram, a única explicação que sobra é que, apesar de termos expandido a oferta com térmicas, não nos valemos delas para, pelo menos parcialmente, estancar a diminuição do estoque estratégico. O gráfico seguinte mostra os tipos de usinas térmicas vencedoras de alguns leilões até 2010. Cerca de 10.000 MWmédios térmicos foram acrescentados à oferta, sempre sob a égide do mercado.

Por que essas térmicas não foram usadas, já que outras alternativas foram desprezadas? Porque são caras? Ótimo para proteger o consumidor, mas quem gera no lugar delas? As hidráulicas….bem, ai voltamos ao início. Com o estoque estratégico decrescente, achar que as hidráulicas podem suprir essa energia de térmicas caras para sempre é um sonho numa noite de verão.

O centro do problema está no modelo de formação de preços usados no Brasil. Afinal, o que decide o uso dessas térmicas é o CMO (Custo Marginal de Operação), variável aleatória que no Brasil é uma espécie de “eminência parda”, pois é determinante em tudo. Vejam:

É a variável que determina a “carga crítica”, a capacidade de suprimento seguro do sistema.
É o fator de ponderação para determinar a capacidade de contratação das usinas.
É fator mais importante na formação de um “índice custo benefício” usado nos leilões.
É o fator determinante da frequencia da geração térmica no plano.
É, a menos de outros mecanismos de segurança, o indicador mais importante da operação do sistema.
É preço referência no mercado livre.
Que outros sistemas no mundo têm uma variável aleatória com tanta importância?

Só essas evidências já deveriam levar a, pelo menos, alguma reflexão. Mas, estamos no Brasil. Empurra-se com a barriga até que…estranhas coincidências ocorrem. Observem o gráfico abaixo:

Linha azul – energia das afluências – eixo do lado direito.
Colunas vermelhas e amarelas – geração térmica – eixo do lado esquerdo.
Setembro de 2012 – anúncio da medida provisória 579 para redução forçada da tarifa.
Outubro de 2012 – Geração térmica triplicada.
Período Fevereiro – Agosto de 2012. Surpreendentemente, diminuição da geração térmica!

Seja por que motivo for, o que está mostrado é que a formação de preços deu um salto! Em julho de 2012 não valia a pena ligar térmicas acima de R$ 250/MWh. Em outubro, 3 meses depois, ligam-se térmicas de R$ 600/MWh. Financeiramente, não se conhece decisão menos apropriada. Os MWh de 250 reais, se fossem acionados antes, poderiam ter economizado alguns MWh de 600 reais. Isso não vale só para o mês de julho de 2012. Isso coloca na “berlinda” tudo o que foi feito antes.

Se a formação de preços está em cheque, toda a lista da “eminência parda” também está. Principalmente o desequilíbrio estrutural que o governo insiste em negar.

É preciso dizer algo mais? Sim…no Brasil talvez precise. É o que estamos fazendo.

Comentário do Presidente da ABRAPCH, Ivo Pugnaloni:

“Quando o vertimento em um sistema é baixo, significa que os reservatórios não estão enchendo. Por sua vez, isso significa que qualquer contribuição, mesmo de PCHs seria muito importuna e desejável para evitar a atual situação de penúria e a dependência de termoelétricas movidas derivados de petróleo, diesel e óleo pesado do nosso sistema.”

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