Em meio à crise do setor energético e a possível necessidade de um novo racionamento de energia no Brasil, o consumidor comum é quem vai acabar pagando a conta. Isso só deverá acontecer em 2015, depois que a Copa e as eleições tiverem passado. Mas, quando a conta vier, virá alta. É o que dizem especialistas ouvidos pelo CORREIO.
Segundo eles, os subsídios bilionários que o governo tem dado ao setor energético para evitar uma alta do preço da energia resultarão em um doloroso golpe no bolso do consumidor no ano que vem. Ou seja, o aumento na conta de luz será alto.
Inevitável
Para o diretor do Centro Brasileiro de Energia e Mudança do Clima (CBEM), Osvaldo Soliano, o aumento do preço da energia é inevitável. Isso porque o governo tem apostado em acionar as termelétricas, modalidade de energia que custa muito mais que a hidrelétrica. “Tendo ou não racionamento, a tarifa vai explodir. No país, todas as termelétricas estão sendo acionadas. As termelétricas têm energia de reserva, não foram feitas para funcionar o ano inteiro”, explica.
Com isso, o preço da energia disparou. No mercado livre, o megawatt hora (MWh) subiu de R$ 214, em fevereiro do ano passado, para R$ 822 em fevereiro deste ano. Por conta disso, o governo já repassou às distribuidoras R$ 9 bilhões em 2013 e planeja repassar mais R$ 4 bilhões este ano. A ideia é evitar um rombo nas empresas, obrigadas a comprar energia nas térmicas.
Para pagar essa conta, o governo ainda planeja um aumento de tributos. A Câmara de Comercialização de Energia Elétrica também vai contratar financiamentos no valor de R$ 8 bilhões para manter os preços sob controle.
O coordenador do Laboratório de Energia e Gás (Len), da Ufba, Ednildo Torres, também afirma que a sociedade vai pagar essa dívida. “O governo deveria incentivar, desde agora, o brasileiro a economizar energia, a única coisa que poderia evitar um preço muito mais alto no ano que vem”, afirmou. “Em vez disso, o governo tem sido irresponsável e pouco transparente”.
Além dos gastos com os subsídios, o governo tem uma dívida relativa a indenizações devidas à Associação Brasileira de Grandes Empresas de Transmissão de Energia Elétrica (Abrate).
De acordo com o diretor-executivo da associação, César de Barros Pinto, as grandes empresas transmissoras de energia estão em situação financeita ruim pelo não pagamento dessas dívidas. “Acredito que essa dívida pode chegar a R$ 20 bilhões”, calcula. Ele também acredita que o consumidor acabará pagando a dívida.
Racionamento Para os analistas, o risco de um racionamento de energia no país é bem maior do que o governo tem sinalizado. “Isso é evidente. Se o Brasil não contar com São Pedro, vai ter racionamento”, afirma Soliano. Segundo ele, a grave situação dos reservatórios de água utilizados para a geração de energia é um indicativo do risco.
Na semana passada, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) reviu para baixo a previsão de armazenamento dos reservatórios das hidrelétricas do Sudeste e do Centro-Oeste no fim de março. A expectativa é que eles fiquem em 38,2%. Nos dias anteriores, os reservatórios da região marcavam 35,8%, um pouco acima do registrado em março de 2001, quando houve o racionamento de energia.
“O período de chuvas nas regiões de cabeceira dos rios, como Minas Gerais e Mato Grosso, acaba em março. Os seis meses seguintes são tipicamente mais secos”, explica Soliano. “Se não chover até meados de abril, é provável que haja racionamento em julho ou agosto”, calcula.
Governo A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa do Ministério de Minas e Energia, mas ninguém concedeu entrevista. Porém, recentemente, o governo admitiu ter acendido o “sinal amarelo” para a possibilidade de racionamento. Ainda assim, continuou negam a existência de risco de racionamento de energia.
Governo vê energia reserva como saída para setor
A aposta do governo para contornar a crise é a chamada “energia reserva”. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) já aprovou o uso do saldo dessa energia para abater os gastos das distribuidoras. A estimativa é a de arrecadar R$ 2,9 bilhões com a venda de energia reserva apenas este ano.
Essa energia reserva funciona como um colchão de segurança para o setor elétrico. Trata-se de uma contratação extra de energia, feita frequentemente pelo governo, por meio de leilões. Essa política foi adotada desde 2009 e inclui apenas usinas de fontes limpas, como as que usam biomassa, as eólicas e as pequenas centrais hidrelétricas.
Esses contratos, pagos pelos consumidores, servem para atender as distribuidoras que, por algum motivo, não tenham energia suficiente para atender a demanda de consumo.
No entanto, este ano, como o preço da energia disparou no mercado, essa venda de energia começou a render. Já há um saldo nessa conta de aproximadamente R$ 300 milhões. Até o fim de 2014, em um cenário conservador, esse saldo pode chegar a R$ 2,9 bilhões. Como a receita é grande e o setor está acumulando dívidas, a Aneel criou a possibilidade de transferir parte desse saldo para abater a dívida das distribuidoras.
De acordo com a decisão da Aneel, 79% do saldo disponível poderá servir para abater da dívida dessas distribuidoras. O restante será usado para beneficiar os consumidores livres, ou seja, donos de grandes contratos, como indústrias, por exemplo, que não usam energia das distribuidoras convencionais.
Controle de preço da energia pode elevar inflação e riscoUm dos conselheiros na área econômica da presidente Dilma Rousseff, o ex-ministro Delfim Netto criticou, esta semana, a política do governo de tentar controlar o preço da energia elétrica para moderar a inflação. Na avaliação do ex-ministro, é necessário reduzir a demanda de energia. O calor e a falta de chuvas elevaram o consumo e reduziram o volume de água nos reservatórios das usinas hidrelétricas. “Ninguém corta o consumo debitando a conta no Tesouro”, disse. “Não adianta empurrar a inflação pra frente”, completou.
Segundo ele, essa estratégia do governo de postergar aumentos de preços tem elevado a desconfiança de empresários com a economia brasileira, o que deprime investimentos e afeta o crescimento. “Estamos repetindo erros controlando preços. Não vejo nenhuma vantagem nisso”, afirmou. Entre o final dos anos 70 e início dos 80, o ex-ministro adotou essa estratégia para domar os índices de preços, que disparavam na esteira da elevação dos preços dos combustíveis.
Os repasses às distribuidoras também foram criticados pela agência de classificação de risco Fitch. Em nota, a agência previu que, em 2014, “o setor estará em uma posição difícil, pois os níveis dos principais reservatórios do país estão similares ao observado durante o racionamento de 2001”.
É necessário investir em outras fontes, diz especialista
O coordenador do Laboratório de Energia e Gás da Ufba, Ednildo Torres, ressaltou que o momento de crise no setor energético é uma boa oportunidade para pensar sobre a necessidade de diversificar as fontes de energia na matriz brasileira. “Hoje, dependemos muito das hidrelétricas, que correspondem a 70% da nossa matriz”, afirmou. “O resto é basicamente termelétrica”, resumiu. Ele lembrou que, no entanto, fontes de energia renováveis, como a eólica e a solar, ainda correspondem a apenas 1% da matriz brasileira. “Misturar a energia eólica com a hídrica é um casamento perfeito”, disse. “No Nordeste, por exemplo, quando não chove, venta”, afirmou. “A energia solar também é essencial”, completou.
Fonte: Portal PCH – 24/03/2014
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