A pesquisadora Leontina Pinto, da Consultoria Engenho, chamou a atenção, nesta quarta-feira (23/04), para uma distorção que existe na análise do sistema elétrico nacional. “Não existe no mundo sistema sem risco. Isso é uma ilusão”, destacou. Ela acrescentou que existe realmente um cálculo para que sobre energia do País, mas que o cálculo dessa sobra é feito desprezando os 5% piores cenários. “O problema é que de janeiro até agora houve a pior estiagem dos últimos 80 anos, então estamos fora dos 95% em que não existe risco”, detalhou.
A especialista participou de seminário na Câmara dos Deputados sobre a importância das pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e medidas para o melhor aproveitamento delas. Leontina Pinto acrescentou que atender à demanda não significa necessariamente atender ao horário de pico (das 18 horas às 20 horas), principalmente no caso da Região Sudeste, que é a grande consumidora do País, mas que, devido à estiagem, precisa neste momento importar energia de outras regiões. “O suprimento do Sudeste hoje depende de transmissão e isso amplia a possibilidade de falhas no meio do caminho”, explicou.
De acordo com a consultora, cada linha de energia falha por volta de três dias por ano, mas, se o sistema não evoluir, esse número de falhas saltará para 14 dias por ano em 2018. “Se faltar luz todo mês, as pessoas vão começar a achar que tem faltado muito”, exemplificou.
Para Leontina, uma possível solução está nas pequenas centrais, pois o regime de cheias e secas que elas encontrarão será complementar ao regime das grandes usinas da Amazônia. “Belo Monte é uma grande produtora na época das chuvas. Na época das secas, não sai nada de lá”, disse.
Marco legal
O seminário foi promovido pela Frente Parlamentar Mista em Defesa das Pequenas Centrais Hidrelétricas e Microgeração. O coordenador da frente, deputado Pedro Uczai (PT-SC), comentou que este é um momento importante para discutir o tema, pois tramita na Câmara uma medida provisória (641/14) que trata exatamente da questão energética. “Precisamos alcançar de uma vez por todas a construção da capacidade política para encontrar soluções e construir um novo marco legal para fortalecer as PCHs.”
Uczai defendeu que se encontrem posições comuns que possam ser levadas aos órgãos do Executivo. Ele criticou o Ministério de Minas e Energia por não ter enviado nenhum representante ao seminário. “Parece que, quando falamos de microgeração e pequenas centrais hidrelétricas, o tema não está na agenda do ministério, algo lamentável.” No caso da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), contudo, Uczai comentou que se conseguiu estabelecer um diálogo nos últimos meses.
ANEEL
Dois diretores da agência compareceram ao evento. O diretor André Pepitone comentou que apenas 3,5% da energia nacional vêm hoje de pequenas centrais, mas eles também querem reverter o quadro. “Também queremos resolver a questão. Vamos fazer um esforço conjunto para facilitar a geração dessa energia. As pequenas centrais têm uma missão muito importante para o futuro energético do País”, afirmou.
Já o presidente da Comissão de Minas e Energia, deputado Geraldo Thadeu (PSD-MG), lembrou que a região que representa do Congresso, o sul de Minas Gerais, tem um dos maiores potenciais de microcentrais em todo o País. “Não restam dúvidas de que os pequenos aproveitamentos hidrelétricos possuem vantagens inegáveis”, comentou.
Thadeu acrescentou que, nos últimos anos, a China implantou 40 mil pequenas usinas, alcançando grande êxito, enquanto o Brasil ainda conta com apenas 910 usinas em atividade. “Os entraves são enormes aqui, mas esperamos reverter esse quadro com a ajuda deste seminário”, disse.
Dilema
O presidente da Associação Brasileira de Fomento às Pequenas Centrais Hidrelétricas, Ivo Pugnaloni, se queixou da burocracia que cerca a geração de energia no País. “A Aneel exige a licença ambiental para estudar os projetos e o órgão ambiental exige a autorização da Aneel para iniciar o estudo. Ficamos presos no meio da burocracia”, afirma.
Pugnaloni criticou também os baixos preços oferecidos pelo ministério para as pequenas centrais. “Eles oferecem valores baixíssimos para as pequenas centrais e preferem pagar caro por energia poluente de termoelétrica”, questionou.
Segundo a frente parlamentar, que foi criada no ano passado, a política energética atual prioriza grandes usinas hidrelétricas distantes dos centros consumidores, sobretudo no Norte, e usinas eólicas nos extremos Nordeste e Sul. O problema é que essa opção provoca alguns riscos, como blecautes; problemas se as grandes hidrelétricas enfrentarem estiagem ou enchentes; maior dependência de termelétricas; e maiores perdas elétricas (no transporte até as grandes cidades).
Assim, as pequenas centrais podem ajudar a recuperar a estabilidade que hoje falta ao sistema. Isso porque elas podem ficar próximas aos centros consumidores, oferecendo baixas perdas elétricas. Essas qualidades foram lembradas pelo presidente do Conselho Federal de Engenharia (Confea), José Tadeu da Silva. Ele lamentou, no entanto, que o tempo médio de análise ambiental dos projetos é de três anos e meio. “Em alguns casos a espera chega a ser de 13 anos”, disse.
Fonte: Agência Câmara / Jornal da Energia – 24/04/2014
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