Bastaram dois anos seguidos de tombo no consumo industrial e um verão farto em chuvas para eliminar o fantasma de racionamento de energia. Os reservatórios do Sudeste e do Centro-Oeste, regiões que constituem a caixa d'água do país, encheram novamente. Três dezenas de usinas térmicas foram desligadas e a bandeira verde deu um alívio nas contas de luz depois do choque de "realismo tarifário" em 2015.
É ilusão, porém, achar que não há mais fios desencapados no setor elétrico. Os desafios estão por todos os lados. No segmento de transmissão, 60% das obras monitoradas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) enfrentam atrasos. Graças a melhorias nas taxas de retorno e maior flexibilidade nos prazos de construção, o leilão de novas linhas realizado pelo governo no mês passado teve sucesso em 14 dos 24 lotes oferecidos. Boa notícia: às vésperas da votação do impeachment, mais da metade dos ativos despertou interesse da iniciativa privada. Má notícia: esses projetos já haviam encalhado em licitações anteriores e a demora para viabilizar os "linhões" pode afetar o escoamento de energia.
As distribuidoras também vivem incertezas e ilustram com perfeição a súbita mudança no setor. Elas sofriam porque não tinham contratado energia suficiente para atender seus consumidores e ficaram expostas aos preços altíssimos do mercado de curto prazo. O rombo foi tapado por empréstimos de mais de R$ 20 bilhões repassados às tarifas.
Agora, o drama é exatamente o oposto. Com a retração do consumo e a migração de indústrias para o mercado livre, onde os preços desabaram nos últimos meses, as distribuidoras estão com muito mais energia contratada do que suas reais necessidades. Um estudo da consultoria Roland Berger aponta que há excedente de 7,3 mil megawatts (MW) médios em 2015. O auge da sobrecontratação deve ocorrer em 2019 e o desequilíbrio só terminaria na próxima década.
No segmento de geração, o governo fechou acordo para resolver o prejuízo causado aos donos de usinas em função do déficit hídrico – as hidrelétricas produziam menos energia do que a garantia em seus contratos e precisavam arcar com a compra do volume restante. O acordo foi bem sucedido em desmontar a judicialização em torno do assunto e reverter a paralisia na liquidação financeira dos contratos. Um problema de longo prazo continua: como dar continuidade à ampliação do parque gerador.
As possibilidades de explorar o potencial hidrelétrico vão se resumir cada vez mais a avançar sobre a região amazônica. A existência de terras indígenas e unidades de conservação torna isso praticamente inviável. Um sinal inequívoco foi a suspensão pelo Ibama, na semana passada, do processo de licenciamento da megausina de São Luiz do Tapajós (PA) – o próximo grande empreendimento na carteira do governo. Como ter alternativas factíveis desafia o planejamento.
A energia eólica, que representava um traço na matriz elétrica dez anos atrás, representará 11% dos megawatts produzidos em 2024. O mesmo fenômeno de expansão acelerada agora é observado com a fonte solar. Despencou o preço de placas fotovoltaicas e hoje elas são muito mais eficientes – gera-se mais energia no mesmo espaço. Algumas ideias criativas estão sendo testadas, como a colocação de painéis no espelho d'água de reservatórios, como Sobradinho (BA). Mas dificilmente o futuro do setor escapará de decisões difíceis, como retomar a construção de usinas nucleares ou reduzir o consumo.
Fonte: Valor Econômico
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