Consumidores livres, principalmente indústrias, devem dobrar este ano o volume de venda de energia excedente – contratada porém não consumida – para geradoras e comercializadoras. A projeção é do grupo Safira Energia, especializado em comercialização de energia. O crescimento, de acordo com a companhia, se deve ao agravamento da crise econômica nos últimos anos, que provocou a queda da demanda desses consumidores.
No ano passado, os consumidores livres venderam 242 megawatts (MW) a geradoras e comercializadoras, volume 54% maior que em 2014. A projeção de venda de energia por essas empresas em 2016 – da ordem de 480 MW médios – equivale a cerca de 1% do consumo de energia de todo o país. O montante, aparentemente pequeno, é relevante, considerando que esse mecanismo – chamado de "cessão de energia" – entrou em vigor em julho de 2014, com objetivo de estimular a contratação de energia em longo prazo no mercado livre.
"Como a crise acabou se aprofundando, vamos ver um aumento disso [cessão de energia] em relação ao ano passado, da ordem de 100%", afirmou Mikio Kawai Jr., diretor executivo do grupo Safira.
Até meados de 2014, toda energia contratada por consumidores livres e não consumida deveria ser "liquidada" no mercado de curto prazo, pelo preço à vista da energia [Preço de Liquidação das Diferenças (PLD)] da época. Hoje, porém, com a queda do PLD – atualmente de R$ 82,14 por megawatt-hora (MWh) no Sudeste, principal mercado do país -, e com o risco de inadimplência nas liquidações da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), devido ao excesso de liminares em vigor, tem aumentado o interesse dos consumidores livres em vender diretamente seus excedentes de energia.
De acordo com projeções da Safira, a venda direta dessa energia rende aos consumidores um montante 16% superior ao PLD, além da garantia de recebimento de 100% do valor. "É muito estimulante para o consumidor não ir à liquidação. Dessa forma, ele não vai perder o ágio, nem vai perder o principal", explicou Kawai. "Dado o momento de crise que vivemos, os consumidores não querem perder essa oportunidade", completou.
Renata Misoczki, do escritório Souto Correa Advogados, concorda com essa visão. "Temos visto um incremento grande por conta da crise, com a baixa demanda das empresas há essa sobra de energia. E, considerando o valor do PLD, que está baixo, não é muito rentável, nem muito atrativo, liquidar essas sobras a valor de PLD. O que observamos é que a opção pela cessão aumentou realmente, porque é possível transacionar essa energia por valores melhores".
A especialista acrescentou que a regulação sobre esse tipo de operação já está consolidada. "Nota-se que muitas empresas têm dúvidas de como fazer isso. Mas há uma regulação que protege esse processo. E não há nenhum tipo de implicação tributária que impeça que isso aconteça", completou Renata.
Para Paulo Toledo, sócio-diretor da Ecom Energia, grupo especializado em comercialização de energia, além do rateio da inadimplência nas liquidações do mercado de curto prazo, a remuneração para credores dessa operação leva 45 dias para ser efetuada, fator que também serve de estímulo para que consumidores optem pela cessão de energia excedente.
"Estamos fazendo muitos processos de cessão [de energia excedente]. Muitos clientes nossos estão tendo essa sobra de energia acima do normal", disse Toledo.
Com relação ao mercado regulado, onde a sobrecontratação das distribuidoras alcança média de 113%, a Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel) defende que essas empresas possam vender seus excedentes em leilões públicos.
"Nossa visão é que eventualmente, e seria opcional, as distribuidoras pudessem vender os excedentes em leilões públicos. Se uma distribuidora tem um excedente de uma energia renovável nos próximos três anos, hoje ela conseguiria mais do que liquidando pelo PLD, que é a regra atual", disse o presidente da Abraceel, Reginaldo Medeiros.
Fonte: Valor Econômico
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