O Big Data representa uma das principais mudanças de paradigma dos tempos modernos do setor elétrico – pelas oportunidades, mas também pelos desafios associados. Apesar de ser um conceito do conhecimento da maioria no setor, ainda poucas empresas estão alavancando todo o seu potencial, principalmente porque a maior parte ainda associa apenas Big Data à instalação de grandes sistemas de sensoriamento e aquisição de dados (ex.: medidores inteligentes). A experiência de outros setores mais avançados no tema, como por exemplo varejo e telecom, poderão ser ótimas referências para troca de melhores práticas e aceleração da captura dos benefícios, com a utilização da imensa quantidade de dados já existente nas empresas. Porém, a sua customização e implementação com sucesso ao setor elétrico exigirá toda uma transformação da atual empresa tradicional, que envolverá mudanças estratégicas, de processos, de sistemas, organizacionais e culturais.
Os benefícios para as empresas do setor elétrico são expressivos e de múltiplas naturezas, sendo de destacar a melhoria de eficiência, da receita, da confiabilidade e segurança da rede, da satisfação do consumidor e até mesmo de entrada em novos negócios. Da nossa experiência em projetos de Big Data, os ganhos potenciais poderão ser superiores a 25%-35%, tanto em ambientes mais competitivos como também em mercados mais regulados, algo que não pode ser ignorado no atual contexto do setor e do país.
As aplicações do Big Data estão presentes ao longo de toda a cadeia de valor, desde a geração até à comercialização de serviços. De forma sumária identificamos as seguintes principais oportunidades:
1. Investimentos na rede, por permitir estratégias de investimento baseadas em manutenção preventiva e gestão preditiva de falhas com base em análise de risco;
2. Gestão das equipes de campo com maior produtividade através de soluções tecnológicas móveis com gestão integrada e real-time dos serviços;
3. Simplificação e automação de processos de back e front-office, através de um diagnóstico analítico profundo;
4. Gestão de clientes, através de uma análise de perfil de consumo, comportamentos e necessidades dos diferentes segmentos e uma interação multicanal;
5. Redes inteligentes, através de controles automatizados a partir de análise de dados que garantem maior eficiência, qualidade e segurança da rede;
6. Geração distribuída, por assegurar um melhor balanceamento de dados de oferta e de demanda.
Reconhecemos que, no caso do Brasil, algumas dessas aplicações ainda estão fortemente dependentes de mudanças regulatórias e/ou de investimentos significativos, porém gostaríamos de descrever neste artigo algumas aplicações realistas, de baixo investimento e de efeito imediato que só dependem da vontade da gestão e capacidade da organização no seu planejamento e implementação. Além disso estas aplicações, poderão mesmo assim gerar resultados expressivos e até mesmo financiar novos passos nessa estratégia de construção da empresa do futuro.
A. Estratégia de manutenção baseada em avaliação de risco
Existem técnicas avançadas de análise de dados de investimentos que permitem assegurar uma melhor alocação de capital, maximizando retornos sobre os investimentos, reduzindo custos, minimizando riscos e garantindo maior confiabilidade da rede. Para tal as empresas do setor elétrico precisam evoluir de uma gestão de investimentos orientada para falhas para uma gestão orientada para risco de falha.
Este é um conceito inovador, mas já implementado em algumas empresas referência no setor a nível mundial, que visa alocar capital nos investimentos de manutenção que menos confiabilidade e mais custos representem para a empresa. A partir da utilização de uma grande massa de dados históricos dos ativos (idade, especificações…) e das falhas (causa-raiz, localização…) e de algoritmos e ferramentas estatísticas avançadas é possível avaliar a qualidade dos atuais ativos e a probabilidade futura de falha desses. Com essa informação é possível definir uma estratégia de investimento de manutenção que priorize os investimentos mais críticos, geradores de retornos e que reduzam os custos de manutenção futuros.
B. Combate a inadimplência e perdas na rede
Dois dos principais desafios da maioria das empresas do setor elétrico no Brasil são assegurar uma gestão eficaz do combate a inadimplência e das perdas na rede, minimizando custos operacionais e gerando o maior valor de arrecadação possível. A volatilidade, dimensão e dispersão de dados entre as áreas da empresa, dificulta uma gestão integrada e real-time dos dados, além de que as soluções tecnológicas disponíveis têm custos elevados, tempos de implementação e customização longos e em muitos casos complexidades elevadas de adaptação a diferentes cenários de mercado.
A agregação de grandes massas de dados comerciais sobre faturamento e consumo dos clientes e de dados técnicos sobre os serviços prestados permite através de algoritmos e ferramentas estatísticas avançadas configurar análises de eficácia das ações em diferentes segmentos de clientes e regiões que geram maior valor arrecadado por ação realizada. A análise do comportamento do cliente é diferente por segmento, por região, por tipologia e por momento da ação pelo que a medição contínua desses comportamentos e atuação customizada permite uma maximização da receita no imediato e até mesmo antecipar comportamentos futuros dos clientes para a empresa atuar de forma preventiva.
C. Gestão de produtividade das equipes de campo
A maioria das empresas do setor elétrico já implementaram ou estão implementado soluções tecnológicas móveis para melhoria da produtividade das equipes de campo, utilizando smartphones que permitem digitalizar os principais processos, desde o planejamento dos serviços até à sua execução no campo. Algumas das empresas estão agora evoluindo essas ferramentas para possibilitar despacho real-time dos serviços em função da equipe mais próxima da ocorrência e até mesmo atualizações de tráfego para reduzir tempos de deslocamento, que tanto impacta produtividade nas principais cidades.
Acreditamos, porém, que a implementação de tecnologias assegura apenas parte dos ganhos ambicionados. É fundamental medir os efetivos ganhos de produtividade e complementar essas ações tecnológicas com outras operacionais e organizacionais, nomeadamente, ajustes de escalas de trabalho, mudanças de veículos e equipamentos, reorganização e composição de equipes, incentivos de produtividade, de entre outros. Tecnologia sem análises avançadas de dados limita o seu alcance e a percepção dos reais ganhos tecnológicos, o que pode acabar no futuro por limitar novos investimentos tecnológicos e consequentemente a capacidade da empresa de se reinventar e melhorar os seus resultados.
Em resumo, a revolução do Big Data já chegou ao setor elétrico e as empresas que mais rapidamente reconhecerem a sua importância e se adaptarem a esse novo contexto com uma estratégia sólida e abrangente vão sair na frente, não só pela sua capacidade de gerar um desempenho acima da média, mas também pelo reconhecimento da qualidade e segurança dos seus ativos pelo regulador, pela satisfação dos seus clientes, fornecedores e empregados e pela valorização dos investidores e do mercado em geral.
* Claudio Gonçalves é diretor da A.T. Kearney
Fonte: Brasil Energia
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