Depois de anos de espera, o mercado de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) começa a recuperar um certo otimismo quanto ao futuro. Com mudanças regulatórias recentes, preços mais atrativos e maior demanda por geração renovável, as PCHs voltaram a ser olhadas com atenção pelo mercado, trazendo esperança para uma cadeia produtiva que não vinha enxergando horizontes mais claros para a geração hidrelétrica tradicional.

 

Não significa que a era de hidrelétricas de maior porte acabou, mas os grandes projetos amazônicos de Santo Antônio, Jirau e Teles Pires estão no fim das obras (Belo Monte ainda tem uma frente considerável, mas já comprou todas as turbinas do projeto) e os possíveis aproveitamentos que poderiam ser explorados passam por problemas ambientais que impedem sua viabilização – apenas as usinas Santa Isabel, São Luiz do Tapajós, Jatobá e Marabá, por exemplo, somam cerca de 13,5 mil MW de capacidade instalada. Mas não há estoque de empreendimentos capaz de manter a atividade em alta.

 

Mas os sinais emitidos pelas pequenas centrais indicam que os tempos franciscanos acabaram para o mercado hidrelétrico. A ordem é crescer.
O resultado recente do leilão de reserva confirma a trajetória de alta desse setor, ainda que o resultado não tenha sido o esperado (leia a edição 432, de novembro de 2016).

 

Desde os leilões realizados em 2013 até o leilão de reserva de setembro, 93 pequenas usinas foram contratadas por longo prazo, o que corresponde a uma potência instalada de 1.441 MW (veja gráfico).

 

A situação anima fabricantes e prestadores de serviços. É o caso da Cotesa, especializada em operação e manutenção para o segmento. A catarinense também é dona de três PCHs, tenta uma quarta usina e não descarta investir em novas unidades.

Segundo o vice-presidente da Cotesa, Diomar Wechi, o mercado de PCHs começa a retomar as atividades mas o segmento ainda depende de ajustes para melhorar a atratividade. Um dos desafios é reduzir a burocracia para projetos de pequeno porte, tratados da mesma forma que uma hidrelétrica de maior envergadura.

 

A Cotesa sentiu na pele a dificuldade, ao não conseguir habilitar a PCH Nova Trento por falta de um documento exigido pelo edital, mesmo tendo feito o requerimento um ano antes do prazo estabelecido.

 

Melhor regulação, mais investimentos

Mesmo com entraves, porém, a situação já é melhor, diante das mudanças realizadas pela Aneel na análise de projetos de PCHs. A própria Cotesa pretende disputar outros leilões, assim como pretende oferecer seus serviços para empreendedores do segmento. João Junklaus, presidente da companhia, informou que há alguns anos a Cotesa viu a necessidade de atuar na geração, especialmente em PCHs, depois de 20 anos operando na área de O&M em sistemas de transmissão.

 

A dispensa do projeto básico, que foi substituído pelo sumário executivo dos estudos desenvolvidos como o principal documento de análise, além da recomposição dos prazos de outorga de usinas com atrasos na implementação devido a atos do poder público, animaram o setor.
Para se ter uma ideia, antes de 2015 o tempo de análise de um processo de PCH demorava pelo menos três anos, até ser liberado. Depois da resolução 673/2015, que modificou os procedimentos para análise das usinas, o prazo médio ficou em 143 dias no mesmo ano de 2015, passando para 62 dias em 2016.

 

E a perspectiva é ainda mais otimista para o mercado, que passou a concentrar as atenções no próximo leilão de energia nova A-5. A expectativa do segmento é que a licitação ocorra no primeiro trimestre de 2017, de olho na recuperação da economia do país, que ainda se encontra estagnada mas pode ter um ritmo mais elevado em 2022, quando os empreendimentos estiverem em operação comercial, afirma Leonardo Sant’anna, presidente da Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel).

 

Atualmente, o país possui 445 PCHs e 565 CGHs em operação, que somam capacidade instalada, respectivamente, de 4.875 MW e 453,5 MW – ao todo, as duas juntas totalizavam 3,3% da capacidade total instalada em 2 de novembro de 2016, segundo dados da Aneel.
CGHs são usinas que têm capacidade instalada de até 3 MW, com altura de queda de até 100 m, enquanto PCHs têm entre 3 MW e 30 MW (quando destinadas a concessão). Usinas voltadas para produção independente e autoprodução podem ter até 50 MW de capacidade instalada. A altura de queda das barragens varia entre 25 m e 130 m.

 

A agência contabilizava ainda naquela data 34 usinas em construção, entre PCHs e CGHs, num total de 449,3 MW, e outros 160 empreendimentos com a construção ainda não iniciada, com potência total de 1.761,9 MW (veja a tabela).

 

O maior problema, neste caso, é que há pelo menos 27 usinas com baixa probabilidade de sair do papel no prazo previsto pela Aneel. Na verdade, não existe uma previsão de quando isso vai acontecer, como é o caso da PCH Água Limpa Multifase, de 23 MW, que seria construída no rio Goio-Erê, estado do Paraná, e deveria entrar em operação comercial em dezembro de 2010 – seis anos depois, a usina ainda não saiu do papel por impasses ambientais que impedem a concessão da licença prévia.

 

A questão ambiental é vista como um dos problemas que têm impedido a entrada mais rápida de usinas em leilões. Na visão de Wechi, da Cotesa, um dos ajustes necessários é a qualificação de analistas ambientais, que não conhecem particularidades de empreendimentos de geração, estabelecendo burocracrias que retardam a concessão de licenças.

 

Além disso, de acordo com Adriana Coli, sócia do escritório de advocaria Coli & Lafuente Advocacia, especializado em infraestrutura e meio ambiente, outro fator é a responsabilidade civil e criminal recair sobre servidores dos órgãos ambientais em processos de licenciamento, em vez de sobre o órgão licenciador.

 

Para ela, já há a formação de uma cultura de elaboração de bons projetos e os governos poderiam rever questões relativas a procedimentos que poderiam facilitar a implantação das usinas. “[Fazer bons projetos] já é algo que está internalizado no bom empreendedor, já há uma consciência”, avalia. Adriana ressalta que simplificar não significa estabelecer “simplismo” na concessão de licenças.
Para o presidente da Voith, Marcos Blumer, as PCHs ainda enfrentam um processo quase tão complexo quanto o de uma grande usina, mesmo levando-se em conta a menor interferência no ambiente e meio social. “Todas estas questões, em conjunto, dificultam o desenvolvimento de uma das melhores opções de geração de energia que a matriz elétrica brasileira dispõe”, destacou o executivo.

 

Novos nomes e velhos conhecidos

Obviamente, o mercado está de olho no que o governo está preparando para a fonte, especialmente em momentos de realismo tarifário e regulatório.

 

A entrada em vigor da lei 13.360/2016, em novembro, trouxe também alguns revezes para a fonte. Para quem ainda não ligou “o nome à pessoa”, a lei é a conversão da Medida Provisória 735.

 

E um dos artigos estabelece o fim da isenção de PCHs no pagamento da Compensação Financeira pela Utilização dos Recursos Hídricos (CFURH) no momento da renovação da outorga (neste caso, autorização) do empreendimento, passando a pagar 50% do encargo, além do Uso do Bem Público, e tendo parte dessa receita redirecionada à CDE (Conta de Desenvolvimento Energético).

 

Ainda assim, porém, a aposta em PCHs está sendo bancada apenas por empresas que não são tradicionais investidores em energia, mas já possuem experiência em geração com porte mais reduzido e de menor exposição.

 

Uma delas é a Mauê, controlada por cooperativas rurais, entre as quais as produtoras de laticínios e produtos de origem animal Aurora e Auriverde. Localizada em Santa Catarina, a Mauê já possui duas usinas: Flor do Sertão, de 16,5 MW, que negociou energia por meio do Proinfa (“o melhor preço do mercado, hoje”, segundo ele), e São Jorge, de 8,7 MW, cuja implantação foi bancada pela Aurora, um dos sócios.

 

No leilão de reserva realizado em setembro, a empresa contratou mais duas PCHs: Barrinha (3,3 MW) e Lambari (4 MW). De acordo com o diretor técnico da Mauê, João Carlos Sloss, a empresa já vinha desenvolvendo as duas novas PCHs desde 2008, visando o mercado livre, mas só pôde viabilizá-las neste leilão, diante do preço mais atrativo para os empreendimentos.

 

“Foi uma das oportunidades para viabilizar. Se não fosse a melhora do preço, não iríamos construir”, disse Sloss. A Mauê possui ainda um outro projeto, de 4 MW, em análise na Aneel, e que ainda depende de licença ambiental pelo órgão estadual, em Santa Catarina (Fatma), ficando disponível para leilão nos próximos anos.

 

Além da Mauê, empreendedores tradicionais de outros mercados do setor elétrico também se voltam para a fonte. A Enel, por exemplo, anunciou o plano de investir em PCHs, após implantar seus primeiros empreendimentos da fonte no país por meio da subsidiária Enel Green Power. “Queremos continuar crescendo no Brasil com usinas semelhantes, de porte médio”, afima Carlo Zorzoli, presidente da Enel. A italiana comprou os projetos das PCHs Cabeça de Boi (30 MW) e Fazenda (27 MW) e a UHE Salto Apiacás (45 MW) da Bertin e os modificou para torná-las mais competitivas.

 

Na mesma linha, uma das mais antigas comercializadoras de energia do país, que participou do primeiro contrato do mercado livre, a Tradener marcou a entrada no negócio ao vender 6,68 MW médios da PCH Tamboril (15,8 MW), localizada em Goiás, a um preço de venda de R$ 232,50/MWh.

 

Com investimento de R$ 110 milhões, a usina vai fazer parte de um bloco de projetos de geração renovável. “Estamos investindo em eólicas e PCHs, além de células fotovoltaicas orgânicas de alto rendimento”, disse Walfrido Avila, presidente da Tradener.

 

O plano da Tradener é ter, num futuro próximo, cerca de 50% da carteira de comercialização com projetos de geração de energia renovável. Para isso, segundo Avila, a empresa depende de que o governo decida como deve ser a financiabilidade de projetos do setor. “Estamos aguardando que o novo governo desate o nó do financiamento pelo BNDES para projetos de geração para o mercado livre”, acrescentou.

Na visão do Paulo Arbex, presidente da AbraPCH, um dos pontos que precisariam ser revisados é a condição oferecida pelo BNDES para as PCHs, de financiamento de até 70% do investimento, contra 80% para as eólicas e solares – considerando que as hídricas têm uma indústria 100% nacional, ao passo que as outras fontes ainda contam com componentes importados.

 

Com a chegada de mais empreendedores, fornecedores e prestadores de serviço também se movimentam para retomar os negócios. É o caso da GE Hydro, que formou uma força-tarefa para atualizar os produtos que seguem um conceito de padronização mundial, o que traz vantagens de custo e de prazo de implantação. Manutenção e operação também podem ser incluídas no pacote, a depender dos planos dos investidores. Roberto Miranda, gerente comercial da GE Hydro para o Brasil, recorda que desde 2008 não são feitos leilões como vem ocorrendo no país.

 

Já a estratégia da Andritz é trabalhar projetos em esquema turnkey, incluindo construção no pacote. A ideia, revela o presidente da Andritz, Sergio Parada, é começar a trabalhar no Brasil com CGHs, mas em geração distribuída, a exemplo do que a empresa faz largamente na Europa.
Na visão de Blumer, da Voith, as PCHs ajudam a utilizar parte da capacidade disponível da indústria de componentes eletromecânicos. O parque industrial instalado no Brasil está dimensionado para atender vários segmentos da geração hidráulica, desde grandes até PCHs. “A indústria somente retomará a sua plenitude com projetos combinados de centrais de pequeno, médio e grande porte”, disse Blumer.

 

A fonte energética também é considerada com muita atenção pela Ciel & Terre Brasil, joint venture entre a francesa homônima e a brasileira Sunlution, para fabricação de flutuadores solares. Num mercado em que a geração hidráulica predomina, vender geração solar flutuante apresenta potencial elevado de negócios. A questão é convencer empreendedores de que placas solares repousando sobre reservatórios, ainda que a fio d’água, são vantajosas do ponto de vista econômico para a usina, de acordo com o diretor da Ciel & Terre Brasil, Orestes Gonçalves.

 

“Estamos quebrando a fase da inovação e do conhecimento da geração solar flutuante”, avalia Orestes. O modelo de negócio é flexível, com desenvolvimento pelo próprio empreendedor de PCH ou em parceria com a Ciel & Terre, com espaço para elevar receita de geração sem maiores investimentos. “O empreendedor pode manter a PCH no SIN [sistema interligado] e a solar na geração distribuída”, disse.

 

Além disso, a questão ambiental tende a ser menos complexa por se tratar de uma área já antropizada (com interferência humana) anteriormente. E as placas solares são mais produtivas sobre os espelhos d’água, por causa da temperatura menor, o que se traduz em melhor desempenho, acrescentou.

 

Orestes contou que a companhia está oferecendo, inclusive, modelos de contrato que garante financiamento com bancos de desenvolvimento, como o BNDES (via Finame), BNB ou Desenvolve São Paulo, entre outros.

 

A própria Cotesa está de olho na entrada de novos nomes no mercado de PCHs. A companhia vem identificando crescimento da demanda de contratos de O&M, diante da entrada de novos players no mercado que não possuem atuação tradicional no setor elétrico, como indústrias de base e fundos de pensão, que passaram a investir na geração renovável, especialmente em parques eólicos.

 

Em busca de mais espaço

Na verdade, a fonte tenta ganhar um espaço que poderia ter sido dela há mais tempo. Entre as renováveis, as PCHs perderam para a biomassa e para as eólicas, que já contabilizam seus primeiros 10 GW, com mais 8 GW contratados em leilões. As usinas solares ainda não possuem uma capacidade instalada muito grande, mas em leilões existem cerca de 2,6 GW contratados.

 

Em 2015, a capacidade instalada de PCHs era de 5.671 MW, com perspectiva de chegar a 2020 com 6.619 MW de potência, uma evolução anual média da ordem de 3,1%, segundo dados da própria Abragel.

 

“A entrada da geração eólica, mais forte, trouxe um impulso para as PCHs”, disse Adriana, do Coli & Lafuente Advocacia.
Sant’anna, da Abragel, destaca as vantagens da geração por PCHs em comparação com eólicas e solares. Entre elas, o fato de que uma PCH possui vida útil acima de 100 anos, em relação a cerca de 25 anos de eólicas e solares.
Arbex, da AbraPCH, lembra também que as PCHs, em conjunto com eólicas, usinas a biomassa e solares fotovoltaicas, podem deslocar geração térmica que venha a ser contratada eventualmente em leilões, dentro do plano de descarbonização da matriz energética, no escopo do Acordo de Paris (COP-21).

 

Mas para isso, melhoria nas condições de leilões, como preço-teto e ajustes regulatórios para dar as mesmas condições de competição, podem facilitar o trabalho das PCHs, avalia Arbex.

 

Fonte: Brasil Energia

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