O Brasil deve tirar proveito da crise econômica e, da consequente queda do consumo de energia, para adequar o sistema elétrico e seus modelos de operação e de negócios para a nova configuração da indústria elétrica mundial. A nova configuração prevê participação cada vez maior de fontes renováveis de geração variável, como eólica e solar, inclusive nos pontos de consumo, como residências, edifícios corporativos, hotéis e shopping centers. A avaliação é do diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Luiz Eduardo Barata, que defende investimentos em inovação e no aprimoramento das ferramentas do sistema para lidar com o novo cenário.
"É inevitável a presença da renovável, em especial da fotovoltaica no nível do consumidor, a chamada geração atrás do medidor", disse Barata. "A crise econômica que o país está fazendo com que isso ocorra de forma mais retardada em relação ao que aconteceu nos Estados Unidos e na Europa, o que nos dá mais tempo para nos prepararmos para isso. Os países europeus foram surpreendidos. Não vamos poder alegar mais tarde que fomos surpreendidos. Não é esperto desperdiçar o aprendizado alheio." O executivo está há pouco mais de um ano no comando do operador nacional.
Antes de assumir a diretoria-geral do ONS, Barata foi diretor de operação do órgão, entre 2004 e 2010, além de presidente do conselho de administração da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e secretário-executivo do ministério de Minas e Energia (MME), cargo que deixou, em abril de 2016, para assumir a atual função.
"Vamos desenvolver um plano diretor para nos preparar para esse novo tempo da geração distribuída, das baterias e dos sistemas inteligentes", disse o engenheiro eletricista, destacando que serão necessárias ferramentas de operação de resposta rápida, que deem condições para que o órgão tome decisões súbitas.
"Apesar de estarmos melhorando muito nossos modelos de previsão de geração eólica, o vento muda de uma hora para outra. Agora, o sol vai influenciar na carga, os consumidores passam a influenciar no seu consumo", disse. Por esse modelo, os consumidores com painéis solares em seus imóveis fornecerão energia para a rede no momento em que não estiverem utilizando e consumirão energia da rede no momento de maior necessidade. "Então, você precisa ter um ferramental [de operação] preparado para tomar decisões [imediatas]", explicou Barata.
Diante desse cenário que exige mudanças e aperfeiçoamentos no sistema elétrico, Barata elogiou a disposição do MME e o teor da proposta de reforma setorial, apresentada ao mercado no início deste mês. "São mudanças que podem mudar bastante o perfil do setor. Há um reconhecimento de que aquela tese de que ficaríamos hidrelétricos para sempre acabou. Nossa matriz [elétrica] vai mudar fortemente", explicou, lembrando que as novas hidrelétricas estão mais distantes e, portanto, exigem um custo maior de transmissão, enquanto os custos das fontes renováveis variáveis estão caindo.
Segundo ele, por exemplo, o Brasil possui um potencial de geração eólica de 500 gigawatts (GW), volume três vezes maior que a capacidade total do parque gerador do país hoje. Além do crescimento expressivo dessas fontes intermitentes, ele lembra que as novas hidrelétricas que são construídas hoje, devido às exigências ambientais, são a "fio d'água", ou sem reservatórios.
Essa característica, inclusive, terá papel relevante na mudança do atendimento do horário de ponta do consumo do país no futuro. Até 2015, quando o consumo do país ainda registrava forte crescimento, o horário de ponta, momento de maior consumo no país e de necessidade de maior disponibilidade da capacidade do sistema, estava ocorrendo no verão, mais precisamente no início da tarde, devido às elevadas temperaturas, que demandavam um acionamento maior de aparelhos de ar condicionado.
Com a queda do consumo, devido à recessão, e a adição significativa de nova capacidade, a partir da entrada em operação de novas usinas, o problema da ponta no verão foi superada. O ONS, porém, começa a prestar atenção para a situação da ponta a partir de 2020 e principalmente no inverno, quando a geração de energia das hidrelétricas do rio Madeira (RO) e de Belo Monte (PA), que são "fio d'água", estarão em seu patamar mínimo, e, portanto, contribuirão pouco para o atendimento da demanda. Belo Monte, por exemplo, produzirá no inverno cerca de 10% de sua capacidade, de 11.233 MW. Com isso, será necessária uma oferta maior de outras fontes, como eólicas e termelétricas.
Com relação ao balanço entre oferta e demanda de energia, Barata disse não vê risco de desabastecimento nos próximos cinco anos. "Nossos estudos hoje estão considerando um crescimento da carga de 3,6% em cinco anos. Ainda que crescesse 5%, teríamos condição de atender. Isso significa dizer que dá para anteceder em um ano e pouco o crescimento econômico do país".
Sobre as discussões no âmbito da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) relativas às regras de republicação do preço de liquidação de diferenças (PLD), o preço spot de energia, Barata concorda com a posição defendida pelo mercado de que não se deve republicar o preço, sob pena de prejudicar negócios de energia já concretizados.
"O mercado é absolutamente refratário a qualquer tipo de republicação. Também acho que não deve republicar. A nota técnica [da Aneel] dá o sinal de que temos que investir cada vez mais para termos um processo de aperfeiçoamento constante, que tenhamos uma política clara, transparente, que acaba culminando em um PLD reproduzível [pelo mercado]", disse.
Fonte: Valor Econômico.
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