A falta de uma solução para o problema relacionado ao risco hidrológico (medido pelo fator GSF, na sigla em inglês para a diferença entre a energia vendida pelas hidrelétricas e a realmente gerada) está incentivando uma nova onda de judicialização no mercado à vista de energia. Desta vez, o objetivo de garantir o recebimento de alguma quantia por parte dos credores do mercado à vista.
A liquidação das operações de maio, que será concluída na quarta-feira (11), deve ser novamente marcada por grande inadimplência. Os créditos arrecadados, por sua vez, devem ser destinados a poucos credores, todos protegidos por liminares. Aqueles sem liminares, que tiveram adimplência de 4% no mês passado, devem sair de mãos vazias na operação.
Nas liquidações concluídas no primeiro semestre – relativas ao intervalo de novembro de 2017 a abril deste ano, com um atraso, portanto, de dois meses – os credores sem liminares não receberam mais do que 10% do que tinham direito. Isso motivou uma nova onda de busca por auxílio na Justiça pela prioridade nas operações da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).
Atualmente a maior credora sozinha do mercado à vista de energia, a comercializadora de energia do BTG Pactual conseguiu há poucas semanas uma decisão judicial para passar na frente dos demais credores do mercado à vista de energia. O Valor apurou que a companhia tem R$ 1,2 bilhão a receber. Na liquidação de abril, realizada no início de junho, a CCEE contabilizou o recebimento de R$ 840 milhões em créditos, montante insuficiente sequer para quitar o devido ao banco.
“O problema da inadimplência é o GSF. As instituições do setor não tiveram, em três anos, a competência de resolver esse problema. Todos que estão conseguindo liminares visam se proteger desse problema”, disse um executivo do setor, sob condição de anonimato. Segundo ele, quando se critica aqueles que buscam “furar a fila” para receber nas liquidações, estão “tentando ‘vilanizar’ uma prática que qualquer um do mercado pode ter para se proteger”.
O desembargador federal Hercules Fajoses determinou que o BTG Pactual receba os créditos a que tem direito “na proporção do nível de inadimplência do mês sob liquidação”, excluindo a inadimplência acumulada nos meses anteriores — que já soma R$ 6,2 bilhões e deve crescer nos próximos meses.
Na prática, a decisão judicial permite que a comercializadora de energia do banco passe na frente de outros credores. Há uma interpretação de que a liminar permite que o BTG receba antes mesmo aqueles que já têm decisões que garantem a prioridade nas liquidações.
O presidente do conselho da CCEE, Rui Altieri, explicou que o jurídico ainda está analisando a liminar, mas a tendência é que a decisão seja operacionalizada da mesma forma das demais liminares que garantem prioridade no recebimento dos créditos. “Nossa leitura é que o que for contabilizado será rateado por todos”, disse Altieri.
Essa é mais uma liminar no âmbito da judicialização causada pelo problema do déficit de geração das hidrelétricas. Nos últimos anos, a hidrologia fraca e a entrada em operação de novos projetos de geração renovável fizeram com que o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) determinasse que as hidrelétricas gerassem menos energia que suas respectivas garantias físicas, a fim de preservarem o volume dos reservatórios. Para cumprir os contratos de venda de energia, as usinas ficaram expostas ao mercado à vista, cujo preço tende a subir nos meses em que a hidrologia piora.
Desde 2015, muitas usinas conseguiram decisões judiciais que limitam à exposição ao GSF, sob o argumento de que estariam também custeando fatores “não hídricos”, como atrasos na conclusão de obras de transmissão de energia e o despacho de termelétricas mais caras por segurança energética.
Essas liminares são responsáveis pela maior parte da inadimplência das últimas liquidações do mercado de energia. Na operação referente à abril, concluída em 8 de junho, a CCEE recebeu R$ 840 milhões dos R$ 8 bilhões contabilizados. Do valor não pago, R$ 6,14 bilhões se referem às liminares que limitam o GSF, e o montante ainda deve crescer consideravelmente até o fim do ano.
“A partir da contabilização de maio, os valores devem crescer, com a alta do PLD nos meses secos”, disse Altieri, que estima que o montante travado possa chegar a R$ 12 bilhões a R$ 13 bilhões em 2018, se não houver uma solução antes.
Enquanto a saída do problema não sai, outras comercializadoras buscam liminares semelhantes, o que pode travar as liquidações no mercado à vista de energia. “As comercializadoras não têm outra saída. Elas não foram causadoras do problema e estão sofrendo com a inadimplência no mercado de curto prazo”, disse outra fonte do setor.
O governo chegou mais perto de comemorar o fim da novela do GSF na semana passada, quando a Câmara aprovou o texto-base do projeto de lei (PL) da privatização da Eletrobras, inclusive com uma emenda que resolve a judicialização sobre o GSF. A proposta, que estava incluída na Medida Provisória 814, que caducou, prevê que as hidrelétricas hoje protegidas por liminares abram mão das decisões e paguem os montantes devidos na CCEE.
Em contrapartida, aquilo que não é considerado “risco hidrológico” será revertido em extensão das concessões das hidrelétricas. Nesta semana, porém, ainda devem ser votados os destaques do texto, que podem alterar o teor da proposta. Também é necessário passar pelo Senado, o que só deve ficar para agosto por conta do recesso parlamentar.
“Precisamos que a solução passe, mas ainda estamos trabalhando paralelamente na solução regulatória para o problema. Não podemos deixar as portas fechadas, vamos tentar também um acordo com o setor”, disse Altieri.
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Fonte: Valor Econômico.
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