Câmbio começa a entrar no radar de projeções para IPCA

Após a confirmação da forte aceleração da inflação em junho, refletindo a paralisação dos caminhoneiros, os analistas ampliam sua atenção para os efeitos da desvalorização cambial sobre o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). A instabilidade recente do dólar – que fechou ontem cotado a R$ 3,871 – foi incorporada ao cenário em algumas casas, mas seus efeitos sobre preços não são unanimidade. A mediana das projeções para o IPCA de 2018 dos economistas do mercado, reunidas no boletim Focus, do Banco Central, mostrou ontem a oitava alta seguida, de 4,03% para 4,17%.

 

O banco Itaú e a consultoria MacroSector, por exemplo, elevaram suas projeções para a inflação deste ano, para 4,1% e 4,3%, respectivamente. Essas revisões incorporam a alta da energia elétrica em São Paulo, que tem peso relevante no IPCA e vai aparecer nos dados de julho. Mas também absorveram uma cotação maior prevista para a taxa de câmbio neste ano.

 

Até o momento, a avaliação era de que a ociosidade da economia limitaria o repasse. Mas o cenário externo sinaliza para uma tendência mais firme de fortalecimento do dólar, provocada por uma combinação de alta de juros nos EUA e acirramento de tensões comerciais. Internamente, esses fatos são acentuados pela piora fiscal e o risco de as reformas não vingarem no próximo governo.

 

O Itaú enxerga a piora nessas duas frentes capazes de provocar instabilidades no câmbio. O banco elevou a estimativa para o câmbio ao fim deste ano e do próximo de R$ 3,70 para R$ 3,90. E também deixou um pouco mais nebuloso o cenário fiscal, com perspectiva de déficit primário de 1,6% do PIB em 2019, de 1,4% anteriormente.

 

Em relatório, o banco menciona nominalmente o câmbio como motivo para puxar não só a estimativa para a inflação em 2018, mas também de 2019, que passou de 4,1% para 4,2%. Segundo os economistas da instituição, essa combinação de fatores externos e internos deve levar o IPCA a rondar os 4,5% nos próximos meses, cedendo só no quarto trimestre.

 

A alta da cotação do dólar, ainda que não tenha entrado na conta como fator decisivo, aparece assim no horizonte. "A incerteza quanto à continuidade das reformas e dos ajustes necessários na economia em 2019 pode gerar pressões adicionais sobre prêmios de risco e a taxa de câmbio mais à frente, com impactos sobre a trajetória futura da inflação", avalia o banco.

 

Na MacroSector, o economista Fabio Silveira revisou a projeção para a inflação deste ano de 4,2% para 4,3%, com influência do câmbio. Para ele, a moeda americana deverá subir para R$ 4 nos próximos meses e fechar o ano de 2018 em R$ 3,90. "Pouco mais da metade do IPCA sofre influência do câmbio. Não se pode achar que não vai haver algum repasse", diz.

 

Silveira defendeu o aumento da taxa básica de juros, Selic, atualmente em 6,50% ao ano, para combater a inflação de curto prazo. O presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, descartou essa possibilidade em entrevista à Globonews, na quinta-feira. Ele reafirmou que não pretende usar a taxa de juros para tentar segurar o dólar.

 

Já o Bradesco não crava o impacto cambial, mas ressalta que não é possível desprezar esse efeito. "Ainda nos parece cedo para avaliar como será a transmissão dessa depreciação recente da moeda [real] para os preços aos consumidores", pontua o banco.

 

Na sexta-feira, o IBGE divulgou o IPCA de junho, que acelerou para 1,26%, puxado pelos efeitos da greve dos caminhoneiros. O Coordenador do Índice de Preços ao Consumidor da FGV, André Braz, afirma que o câmbio já influencia os preços ao consumidor, embora a greve tenha tornado esse efeito menos claro. Ele cita como exemplo a influência do trigo (importado, cotado em dólares) sobre a alta de preços do pão francês.

 

Fernando Gonçalves, gerente de Índice de Preços do IBGE, ainda destacou que o câmbio pode começar a agir em alguns itens do IPCA via aumento de custos de matéria-prima. A oscilação do dólar impacta, por exemplo, o preço da ração de animais, elevando o custo do frango. "Tem itens da indústria química, cotados em dólar, como fertilizantes e cosméticos. Há eletrônicos, com componentes importados", disse.

 

Outro fator que pode continuar pressionando a inflação é o cenário do setor elétrico, com a configuração do período seco, conforme esperado – ou seja, com baixo volume de chuva e necessidade de acionamento maior de termelétricas. De acordo com estimativas da consultoria GV Energy, o nível de armazenamento dos reservatórios das hidrelétricas do país deve chegar a 39%, no fim de julho. O montante é ligeiramente superior aos 37% observados em igual período de 2017.

 

Com a projeção de redução de chuvas e de níveis de reservatórios, houve uma elevação de 18% no despacho térmico no país, ficando na faixa de 12.641 megawatts (MW) médios, ou 80% do total da capacidade instalada termelétrica brasileira, no início deste mês.

 

Segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), os reservatórios do subsistema Sudeste/Centro-Oeste – que responde por 70% da capacidade de armazenamento para geração de energia – estão com estoque de 39%, com queda acumulada de 0,8 ponto percentual no mês. No Nordeste, os lagos das usinas estão com 37,3% do nível de armazenamento, com queda acumulada de 0,3 ponto percentual em julho. No Norte, o nível de estoque está em 70,4%, mantendo estabilidade no mês. No Sul, o nível de armazenamento das hidrelétricas está em 54,2%, com alta acumulada de 3,1 pontos percentuais em julho.

 

 

Associe-se e conheça a Área do Associado, um espaço aonde você tem acesso a estudos, apresentações, documentos dos principais órgãos do SEB e mais! Não perca tempo e entre em contato!

 

Fonte: Valor Econ&ociocirc;mico.

 

No comment

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *







×