Um rombo de quase R$ 90 bilhões no setor elétrico espera quem vencer a disputa pela Presidência da República nas urnas em outubro. Pouco mais ou pouco menos, esse é o tamanho das "bombas" tarifárias e dos esqueletos que serão herdados pelo novo governo ao assumir em janeiro de 2019, conforme indica levantamento inédito da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores Industriais de Energia (Abrace).
As estimativas da entidade apontam que, na pior das hipóteses, pode haver aumento total de até 50% nas tarifas para bancar esses passivos e estragos potenciais. "Mesmo não sendo tudo aplicado de uma vez, é uma conta absolutamente impagável", afirma o presidente da Abrace, Edvaldo Santana.
Para ele, que pretende fazer um alerta sobre o assunto hoje, na abertura de evento organizado pela Abrace, haveria três graves consequências no repasse integral desses passivos: destruir a competitividade da indústria, corroer a renda disponível dos consumidores residenciais e deixar as distribuidoras de energia com mais inadimplência de seus clientes.
"Por isso, uma solução tem que ser apresentada já nos três primeiros meses do novo governo", recomenda Santana. "É quando ainda se está forte o suficiente para encaminhar a questão sem ceder aos grupos de interesse."
A lista de problemas que caem no colo do próximo presidente é extensa. Vai do projeto de lei sobre a venda das distribuidoras da Eletrobras, ainda em tramitação no Senado, às obras abandonadas da usina nuclear de Angra 3.
O Projeto de Lei nº 10.332, já aprovado na Câmara dos Deputados, pode jogar uma conta de R$ 6 bilhões para os consumidores com mudanças na tarifa social e no preço do combustível usado por termelétricas construídas em meio ao racionamento de 2001. A proposta também "socializa" os custos com o atraso na implantação do gasoduto Coari-Manaus.
Quatro distribuidoras administradas em caráter precário pela Eletrobras – Boa Vista (RR), Cepisa (PI), Ceron (RO) e Eletroacre – foram leiloadas com sucesso nas últimas semanas. Mas a privatização da Amazonas Energia, maior de todas as empresas deficitárias, só se torna viável mediante a transferência de um passivo em torno de R$ 20 bilhões para a holding.
Em delicada situação financeira e sem perspectiva imediata de fazer uma capitalização nos moldes imaginados pela equipe do presidente Michel Temer, que queria uma chamada de capital com recursos exclusivamente privados, a Eletrobras ainda cobra quase R$ 11 bilhões do governo pelos alegados prejuízos com a operação temporária das distribuidoras.
A estatal decidiu não renovar essas concessões em 2016, mas teve que continuar prestando serviços pelo regime de designação. Agora, argumenta ter direito à "neutralidade" das contas, mesmo com as vendas já concretizadas. "Não tenho dúvidas de que a Eletrobras tentará repassar esses passivos para o consumidor. Precisa de uma ginástica legislativa, mas temos visto de tudo no Congresso", comenta Santana.
O advogado Julião Coelho, ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), vê um "círculo vicioso" instalado no setor e critica a facilidade com que passivos são jogados nas contas de luz. "Quando se resolve via tarifa, o consumidor não grita porque não sabe o que está ali dentro", afirma.
Para ele, além das intervenções do governo da ex-presidente Dilma Rousseff, o que se vê são ineficiências da Eletrobras e regulação deficiente da Aneel.
Coelho diz que, desde 2009, por exemplo, a agência não vinha fiscalizando a aplicação dos recursos repassados pela Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) – encargo cobrado dos consumidores para subsidiar a geração de energia térmica nos sistemas isolados do país.
De acordo com a Abrace, dois custos já estão certos nas tarifas: os efeitos da repactuação do risco hidrológico, no caso de usinas que venderam energia no mercado regulado, onerando os consumidores em R$ 15 bilhões; e o déficit de pelo menos R$ 5 bilhões na arrecadação das bandeiras tarifárias.
Como as receitas obtidas mensalmente com as bandeiras amarela e vermelha não têm bancado todo o acionamento das térmicas caras, a diferença para pagar essas despesas irá para os reajustes anuais das distribuidoras.
Mais adiante, será preciso desmontar a "bomba" armada pela construção abandonada de Angra 3, que já consumiu R$ 15 bilhões e parou com o envolvimento das empreiteiras responsáveis pela obra na Operação Lava-Jato. Para compensar o investimento, a tarifa acertada para a usina nuclear seria de R$ 240 por megawatt-hora.
O problema é que estimativas apontam a necessidade de elevar o orçamento em mais R$ 17 bilhões para concluir as obras. A Eletronuclear e o governo já deixaram claro que essa conta só fecha com uma atualização da tarifa. Santana acha que ela pode ficar em mais de R$ 500 por MWh para viabilizar a retomada.
"Seria uma imprudência repassar isso integralmente [ao consumidor]", afirma. Nesse caso, segundo ele, o melhor a fazer é excluir da futura tarifa de Angra 3 – que começa a ser cobrada quando ela entrar em funcionamento – os gastos já realizados.
"Melhor colocar o que já foi investido como gasto irrecuperável", recomenda Santana, que diz ser defensor da conclusão da usina nuclear como estratégia de diversificação da matriz, mas chamando atenção para o impacto tarifário.
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