MP de reforma do setor elétrico tem 600 emendas e acende alerta do mercado a surpresas


A tão aguardada reforma do marco legal foi definida pela MP 1.300, que terá tramitação por quatro meses em comissão mista no Congresso, formada por deputados e senadores.

As quase 600 propostas de emendas apresentadas na primeira semana de tramitação no Congresso Nacional da Medida Provisória 1.300, de reforma do setor elétrico, chamaram as atenções para o surgimento de surpresas que causem
impactos no mercado. Certas emendas já são conhecidas por terem sido propostas em outras MPs e rejeitadas. O temor é que algumas elevem ainda mais os custos da energia para o consumidor ou causem retrocessos em investimentos previstos.

A tão aguardada reforma do marco legal foi definida pela MP 1.300, que terá tramitação por quatro meses em comissão mista no Congresso, formada por deputados e senadores. Em paralelo, como se espera, parlamentares apresentam propostas à MP, que podem ser incluídas ou não, a depender da importância do tema.

A MP é baseada em três pilares: o primeiro é o social, que altera as condições da tarifa social de energia elétrica, isentando do pagamento da conta de luz os usuários de baixa renda com consumo de até 80 quilowatts-hora por mês (kWh/mês). Entre 80 kWh/mês e 120 kWh/mês, incidem descontos na conta de luz.

O segundo pilar é o da abertura de mercado livre para consumidores de energia conectados em baixa tensão. Atualmente, qualquer consumidor em alta tensão (acima de 2,3 quilovolts) pode escolher o fornecedor da eletricidade, mas a iniciativa é barrada para quem está na baixa tensão, como os residenciais. Esses pilares não
chegam a ser vistos como um problema pelo mercado.

Redução de subsídios
A questão mais complexa para o mercado está no terceiro pilar, que é a da redução de subsídios. Uma das medidas nesse sentido está no fim da chamada energia incentivada. A modalidade foi criada para estimular a implantação de usinas renováveis: pequenas centrais hidrelétricas (PCH), eólicas, solares fotovoltaicas e térmicas a biomassa.

Quando um consumidor que decide migrar para o mercado livre opta por uma dessas fontes renováveis, passa a ter direito a um desconto na tarifa de uso de sistemas de distribuição e transmissão (Tusd/Tust), que varia de 50% a 100%, dependendo do contrato. Esse desconto é coberto pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que é paga por todos os demais consumidores de energia elétrica, destinada a subsidiar custos de políticas públicas. “É um subsídio que hoje é da ordem de R$ 10 bilhões, do total de R$ 40 bilhões da CDE”, observa o secretário-executivo adjunto do MME, Fernando Colli.

Porém, o atual estágio das fontes renováveis faz com que esse incentivo seja desnecessário, na visão de parte do setor. A MP também estabelece que os usuários de energia passarão a arcar com a CDE de forma proporcional ao nível de consumo, independentemente da tensão de rede, entre outros pontos.

Autoprodução de energia elétrica
Além disso, a MP estabelece critérios mais restritivos para a autoprodução de energia elétrica por consumidores de maior porte. Atualmente, grandes empresas podem ser autoprodutores por equiparação, modalidade na qual podem ser tornar sócias de usinas, beneficiando-se da isenção de encargos setoriais.

A MP estabelece um percentual mínimo de 30% de participação nas usinas, com demanda média de 30 megawatts (MW).

“A medida busca coibir o uso abusivo do modelo por consumidores que não assumem, de fato, o controle ou os riscos do ativo, o que desvirtua os princípios originais do regime de autoprodução”, aponta análise de Pedro Rio, presidente da Clarke Energia.

“Está tudo muito confuso”
Na semana passada, foi realizado no Rio de Janeiro o Encontro Nacional de Agentes do Setor Elétrico (Enase), evento anual que se tornou ponto de encontro de executivos, consultores e representantes de associações. Em conversas reservadas ou nas apresentações em painéis, executivos e especialistas se questionam sobre o
que virá de Brasília após a tramitação da MP.

“Está tudo muito confuso”, disse um executivo. “Resta saber o que virá do Congresso”, disse uma fonte do mercado.

A quantidade de emendas, muitas delas conhecidas como “jabutis”, por não terem relação com o tema da MP, chama a atenção até mesmo do Ministério de Minas e Energia (MME), que encaminhou a reforma setorial. “É até difícil falar especificamente sobre uma ou outra. O que estamos fazendo é que nossa equipe técnica está compilando todas para fazermos uma análise qualitativa de todas. Vamos levá-las como uma contribuição à comissão mista ou ao relator, com os efeitos de cada uma. Ou, pelo menos, de um conjunto delas, se não conseguimos individualizar”, disse Fernando Colli, do MME, no Enase.

Fator Lula
Nesse contexto, em que o setor tenta entender quais caminhos serão seguidos, há dois aspectos que devem ser levados em conta por quem analisa o tema, diz uma fonte que acompanha aspectos regulatórios do setor. O primeiro ponto chama-se eólica offshore. Um acordo político firmado no Congresso, ainda nas gestões Arthur Lira (Câmara) e Rodrigo Pacheco (Senado) definiu que as duas Casas derrubariam os vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) às emendas incluídas no projeto de lei do marco regulatório das eólicas “offshore”.

Foram incluídos dispositivos que impõem a contratação obrigatória de usinas térmicas a gás natural com operação mínima de 70% do tempo (inflexíveis); a prorrogação de contratos de usinas a carvão mineral; a aquisição compulsória de energia de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), independentemente de haver demanda efetiva do mercado; e a postergação de prazos de benefícios a projetos da geração distribuída, entre outros pontos.

Eventualmente, algum acordo firmado com o relator pode atrelar a derrubada dos vetos do presidente Lula aos “jabutis” das eólicas offshore às emendas da MP 1.300, explicou a fonte. Se os vetos das eólicas “offshore” forem derrubados, as centenas de emendas da MP da reforma podem ser desconsideradas pelo relator.

O outro fator é político: para a fonte, avanços da MP 1.300 podem ser barrados pelo Congresso, caso parte das bancadas, especialmente as de oposição, apurem que o presidente Lula pode se beneficiar de dividendos políticos da MP. O olhar, nesse ponto, se volta para 2026, ressaltou.

“Alívio” com escolha do relator
Para alguns executivos, que falaram à reportagem na condição de anonimato, um “alívio” foi a escolha do deputado federal Fernando Coelho Filho (União Brasil-PE) para relator do projeto de lei de conversão da MP.

Ex-ministro de Minas e Energia do governo de Michel Temer, Coelho é lembrado pela gestão em que reuniu técnicos e deu início a um projeto de reforma do setor elétrico, o atual PL 414/2021. Ele é relator do tema, que não avançou na Câmara dos Deputados depois de ter sido aprovado no Senado, em 2021.

Por outro lado, as fontes ouvidas lembram que na tramitação, tudo é possível, inclusive a MP caducar sem ter a análise concluída nos quatro meses de prazo do Congresso. “Daí, teremos uma discussão importante para acompanhar”, disse uma
das fontes.

Imagem e conteúdo por Valor Econômico.
https://valor.globo.com/empresas/noticia/2025/06/16/mp-de-reforma-do-setor-eletrico-tem-600-emendas-e-acende-alerta-do-mercado-a-surpresas.ghtml

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