ANÁLISE: APAGÃO INTENSIFICA LOBBY SOBRE TÉRMICAS E GUERRA DE ATRIBUTOS ENTRE FONTES


O apagão ocorrido na última terça-feira (15) acirrou a guerra de atributos entre fontes, intensificando disputas intrassetoriais em um momento em que o governo se prepara para iniciar os estudos do leilão de reserva de capacidade no primeiro semestre de 2024, o primeiro que poderia ter neutralidade tecnológica. Também fez ganhar força nos últimos dias movimento no Congresso para elevar o preço-teto das térmicas autorizadas pela Lei 14.182, que permitiu a capitalização da Eletrobras, um caminho difícil por envolver alteração legal.

O blecaute, cujos motivos ainda não foram explicados, tem sido usado por alguns especialistas para defender o avanço de fontes fósseis, como térmicas a gás natural, que poderiam dar maior segurança ao sistema, principalmente em momentos de hidrologia crítica. No jargão do setor, as térmicas são fontes despacháveis, ou seja, não dependem de fatores climáticos, como sol e vento, o que poderia garantir inércia e confiabilidade.

Já empresários de eólicas e solares defendem soluções como armazenamento e aumento nos investimentos de transmissão e veem com preocupação esse avanço térmico por trazer aumento de custos e mais sobreoferta de energia.

Tentativa de mudar preço-teto de térmicas
Nos bastidores, uma ala de empresários do setor de gás vem reforçando discussões com parlamentares para aumentar o preço-teto das térmicas autorizadas pela Lei 14.182, que permitiu a capitalização da Eletrobras.

A lei estabelece que 8 GW de usinas térmicas devem ser contratados até 2030 “ao preço máximo equivalente ao preço-teto para geração a gás natural do Leilão A-6 de 2019, com atualização desse valor até a data de publicação do edital específico pelo mesmo critério de correção do Leilão A-6 de 2019”. No certame realizado em 2022, o preço ficou em R$ 444 o MWh, o que levou a contratação apenas de projetos no Norte do país, em que havia gás e infraestrutura próximos. Foram contratados cerca de 750 MW de usinas dos 2 GW previstos. Projetos no Nordeste não saíram do papel.

A guerra entre Ucrânia e Rússia alterou a dinâmica de preços no mercado mundial de gás, trazendo mais volatilidade ao insumo e fazendo com que grandes países refratários a contratos de longo prazo, como a Inglaterra, mudassem suas políticas. Como boa parte dos projetos será feita em áreas sem malha de dutos, por exemplo na região Centro-Oeste, o desafio de colocar os empreendimentos de pé exigiria um aumento do preço-teto e mais flexibilidade, como aumento dos prazos de entrega da energia.

A Lei 14.182 não estipula data para a realização dos leilões, apenas define anos de entrega para a energia gerada pelas térmicas. Entre 2026 e 2030, os 8 GW de projetos teriam de injetar energia. No fim do mês passado, em São Paulo, em apresentação para empresários, o Ministério de Minas e Energia indicou apenas a realização de um leilão de transmissão a ser realizado ainda neste ano, ou seja, nenhum de geração para 2023. “O setor trabalha com o leilão de térmicas em 2024”, diz um empresário do setor de gás.

Mudar esses pontos significaria alteração legal, o que não é simples. Relatório técnico do TCU (Tribunal de Contas da União), divulgado no início do ano, aponta que a iniciativa poderia elevar os preços da energia no mercado cativo. Em maio, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse que o governo levaria essa questão a ser debatida no Congresso.

Acirramento de divergências
O blecaute também acirra a disputa entre atributos das fontes, o que coincide com o início dos preparativos pelo governo federal do leilão de reserva de capacidade, previsto para o primeiro semestre de 2024. O certame poderia ser o primeiro de neutralidade tecnológica. As divergências podem emperrar uma ideia cuja implementação vem sendo discutida desde a CP (Consulta Pública) 33, em 2016.

“A disputa de atributos já começou. É o oportunismo elétrico. Vai complicar a discussão, que já saiu do ambiente técnico para o político. E o governo, quando põe a culpa, por exemplo, na privatização, incentiva mais ainda o oportunismo”, diz Edvaldo Santana, ex-diretor da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica).

No encontro em julho com empresários em São Paulo, o Ministério de Minas e Energia apresentou a investidores a intenção de realizar um leilão de reserva de capacidade com mais produtos, ampliação de competição e do escopo tecnológico.

Atualmente, existem leilões de energia cujos preços de oferta variam de acordo com a fonte de geração (água, gás, vento, sol etc.). Com a mudança, ganharia quem oferecesse o menor preço, independentemente do tipo de usina e combustível. O conceito é conhecido como neutralidade tecnológica.

Os leilões são vistos como oportunidade por empresas que trabalham com armazenamento e com energia hidrelétrica. Permitir esse produto nos certames poderia abrir um mercado bilionário de repotenciação, com aumento do número de turbinas de geração. Já os geradores térmicos veem com bons olhos a realização de um leilão de reserva de capacidade voltado apenas à fonte. Arbitrar essas divergências será essencial. Para eles, seria uma forma de introduzir a confiabilidade intermitente no sistema.

“A EPE [Empresa de Pesquisa Energética] e o ONS [Operador Nacional do Sistema Elétrico] terão de caminhar para definir quais serão os requisitos necessários à segurança do sistema e quais são as fontes que dispõem desses atributos. Isso tem de ser feito de forma técnica”, diz o ex-diretor geral da ANEEL Jerson Kelman.

Por Agência Infra.
https://www.agenciainfra.com/blog/analise-apagao-intensifica-lobby-sobre-termicas-e-guerra-de-atributos-entre-fontes/

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