Maior liberdade, menos ingerência entre as competências de cada órgão e redução de subsídios e encargos são algumas das propostas do setor aos postulantes a cargos públicos eletivos
Por Maurício Godoi
A cada quatro anos o momento se renova e as demandas que o setor elétrico possui para a modernização e aprimoramentos do mercado vêm à tona na esperança de que o modelo – ou parte dele – possa ser atualizado e acompanhar os avanços que são verificados em diversas regiões do mundo. Estamos a pouco mais de um mês da oficialização das candidaturas que disputarão o Planalto este ano e as propostas para desenvolvimento das regras são quase consensuais e foram apresentadas durante o 19º Enase, realizado no início de junho.
Então, diante desse cenário a Agência CanalEnergia foi ouvir alguns dos principais representantes setoriais para responder à seguinte pergunta: O que o mercado espera do próximo governo, seja ele quem for eleito, para o período de 2023 a 2026?
O Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase) é o ambiente que toma a responsabilidade para si em preparar uma lista de propostas que são entregues aos candidatos. Até porque esse é o ambiente que congrega 27 associações do setor. Essa medida ocorre desde 2014 e este ano não será diferente, tanto que no Enase deste ano foi lançada oficialmente sua Agenda Propositiva, com a qual a meta é a de apresentar os temas prioritários e propostas para o setor elétrico.
Segundo Mário Menel, presidente do Fase, são cinco os temas e 16 propostas que serão levadas aos candidatos. Das 27 entidades associadas, lembra ele, 20 assinaram o documento. O que mostra a consolidação dessas ideias para os próximos anos.
O primeiro item que aparece nessa agenda é a questão da governança setorial, que existe, mas que nos últimos dois anos, principalmente, mostrou-se desalinhada com as responsabilidades de cada órgão do setor. “Há a governança, mas não está bom, estamos vendo uma superposição de interesses e responsabilidades (…) uma esfera está entrando na atribuição de outra”, apontou Menel.
Esse fator, ressalta o presidente da Associação Brasileira de Comercializadores de Energia, Rodrigo Ferreira, pode ser exemplificado ao olhar a MP 1031, editada em fevereiro de 2021, posteriormente convertida na lei 14.182 e que levou à privatização da Eletrobras. O texto foi alvo da inclusão de diversos dispositivos classificados como “os jabutis da Eletrobras”, como a contratação de 8 GW de térmicas a gás, 70% inflexíveis e em locais onde não há o insumo disponível.
Governança que está sendo praticada não está boa, há conflito por ações de competência de uma esfera atuando em lugar de outras.
Mário Menel, do Fase
“O que esperamos do futuro governo é que haja um realinhamento da governança para que cada entidade ocupe o seu espaço respeitando as demais, com mais ação e menos discussão sobre os temas levando a maior liberdade de escolhas para o consumidor, porque hoje o custo da energia está muito alto, resultado de escolhas feitas”, afirma. “Acho que o governo tem que exercer o papel de liderança de estabelecer políticas públicas e não abrir espaço para que outros poderes possam influenciar nas decisões. O consumidor entrou no cheque especial quando o assunto é tarifa de energia com o alongamento da dívida nos últimos dois anos”, destaca.
Não foram apenas esses dois agentes que citaram a governança setorial como um ponto a ser observado imediatamente. Esse tema foi citado pela unanimidade dos especialistas ouvidos.
A presidente executiva da Associação Brasileira da Energia Eólica, Élbia Gannoum, acrescenta ainda que os papeis das instituições precisam ser redefinidos. Inclusive, nesse sentido, aponta a possibilidade de criação de novas organizações, até porque o setor elétrico não é mais o mesmo de 20 anos atrás. Reforça o fato de que o consumidor está pagando uma energia cara diante de uma produção que está entre as mais baratas do mundo.
“Tem coisa errada e isso está no volume de encargos e subsídios que existem no setor, a CDE deste ano é de R$ 32 bilhões e precisa ser revisitada. Do ponto de vista da modernização precisamos adequar a um mercado mais aberto com tecnologias que são mais modernas e modulares e bem distribuídas, é necessário adequar o modelo a esses fatores quando falamos de planejamento”, comenta Élbia, lembrando ainda do fator mudanças climáticas como um importante item a ser considerado.
Governança precisa ser revisitada, o setor elétrico não é mais como o de 20 anos atrás. As discussões podem ficar para o ano que vem, fora do clima eleitoral.
Élbia Gannoum, da ABEEólica
Entre as novas tecnologias no setor que representa cita a eólica offshore e o hidrogênio verde são dois assuntos que terão grande expansão até o final desta década com investimentos em larga escala. E que o Brasil em sua posição, poderá ser protagonista nesse mercado em termos globais. “É uma oportunidade única do país posicionar-se como líder em economia de baixo carbono”, ressalta. Mas afirma que para isso se tornar realidade é necessário revisitar uma série de fatores do modelo atual. Em primeiro lugar, reforça, a governança, que é um dos pontos que mais preocupam e que explica o retrocesso, principalmente no último ano, devido às intervenções que as instituições do setor sofreram.
Para a presidente da ABEEólica, o melhor seria deixar a avaliação do PL 414 para o ano de 2023 porque assim poderia isolar o futuro do setor desse clima de eleições. Até porque para ela o PL é apenas um primeiro passo para o estabelecimento de um novo ambiente regulatório para o país.
Assinaram a Agenda propositiva do Fase além da Abraceel, Abeeólica e Abiape, da qual Menel também é o presidente, a Abaque, ABCM, Abdan, Abemi, ABGD, Abinee, Abiogás, Abrace, Abradee, Abrage, Abren, Abrate, Absolar, Apine, Anace, Cogen e Fmase.
Vácuo
Durante o último painel da 19ª edição do Enase o tema governança foi citado como um dos pontos mais sensíveis. Inclusive, a avaliação de Leandro Gabiati, diretor da Dominium Consultoria, é de que esse ambiente está tão desorganizado que criou um “vácuo de poder”.
Mas lembra que esse espaço acontece não de hoje, mas de um processo de falta de diálogo com o Congresso Nacional. Mas reforça que de 2018 para cá houve o acentuamento do que chamou de ‘terceirização de agendas’, ou seja, colocou sob responsabilidade do Legislativo diversos assuntos que no passado eram iniciativa que partiam do Executivo que dialogava com os parlamentares.
“O Congresso aproveitou para avançar na visão institucionalista e mudou várias regras do jogo, se apropria de recursos do orçamento onde há liberdade para investir. Chegamos a esse ponto, é uma nova estrutura de poder e de regras em que a Presidência da República tem perdido espaço e não lidera”, analisou ele no Enase, lembrando que existe uma dualidade nessa situação, pois o mesmo Congresso que tem criado custos com subsídios é o mesmo que tem feito barulho para reduzir a tarifa no formato de suspensão de aumentos.
Congresso Nacional encontrou vácuo de poder e mudou as regras do jogo que existiam no passado. Condição está acentuada de 2018 para cá com a terceirização da agenda.
Leandro Gabiati, da Dominium Consultoria
Cláudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, destacou em sua participação que os grandes desafios do setor passam pela governança, desoneração tarifária, liberalização do mercado e a transição energética. Ele lembrou que a pauta da modernização do setor é apartidária e que há consenso de todos que o PL 414 estabelece um norte a ser seguido.
Sales também destacou o aumento do poder verificado no Congresso Nacional com parlamentares que têm decidido o volume de energia e onde as usinas deverão ser instaladas, por exemplo. Uma crítica direta à inclusão dos jabutis na lei 14.182. Como consequência, ele lembrou que apesar de nos últimos anos termos visto discursos que buscam a redução da conta, um estudo do Instituto que lidera aponta o sentido contrário, e isso deve-se ao aumento de impostos e de encargos.
Essa questão da transição energética, inclusive, disse ele, tem relação com o planejamento setorial, um fator que não vem ocorrendo atualmente. E voltou a defender o respeito aos papeis que as instituições desempenham, cada um em seu escopo de atuação.
“Os quadros são competentes, precisamos blindar as instituições setoriais e ter uma delimitação de competências entre elas, um exemplo são os jabutis incluídos na lei da Eletrobras que leva gás onde não tem consumo e então precisa exportar com linhas de transmissão”, reforçou ele, citando ainda que a governança institucional é o ponto mais relevante. Apontou ainda que espera do novo governo liderança para as mudanças no setor, canalizando, logo no início, a sua popularidade. Afinal essa é uma característica marcante em momentos pós eleições.
Há diversos desafios para o setor elétrico. Passam pela governança, desoneração tarifária, liberalização do mercado e a transição energética.
Cláudio Sales, do Instituto Acende Brasil
Ainda no Enase, o diretor da Neal, Edvaldo Santana, lembrou que até 2010 não havia tantas emendas em projetos do setor. E, as que eram apresentadas não impactavam tanto. Isso porque o Legislativo não tinha o papel de planejador. Além do Executivo, ele lembra que até mesmo a Aneel se enfraqueceu bastante nessa questão de quem é que manda. “O executivo perdeu poder, temos enormes desafios, mas confesso que com o governo atual ficou tão ruim que não tem como piorar”, disparou.
O coordenador do Gesel-UFRJ, Nivalde de Castro, avalia por sua vez que a inclusão das térmicas e a determinação de sua localização pelo Legislativo quebra o fundamento básico do setor elétrico que é o planejamento. “O Legislativo coloca 8 GW com uma lógica de contratação completamente fora da realidade do modelo setorial que tem garantido a estabilidade e atração de investimentos fundamentais para o crescimento do setor elétrico brasileiro em geração e prorroga os contratos do Proinfa. Tem ainda benefícios para térmicas a carvão e tudo recai sobre as tarifas”, lembra.
“Então depois de tudo isso vem e na sua iniciativa mais recente, busca interferir na tarifa que foi reajustada de foram técnica pela Aneel. Isso cria um paradoxo, por um lado impõe aumentos via encargos e depois questiona quando a tarifa é aumentada?”, indaga. “Acho que uma das prioridades do Executivo é estabelecer um diálogo mais qualificado e técnico de alto nível com o Congresso para evitar esse tipo de comportamento”, sugere.
Há um paradoxo, o mesmo Congresso que determina a criação de encargos é o mesmo que critica e quer atuar contra os aumentos da tarifa.
Nivalde de Castro, do Gesel-UFRJ
Por essas e outras que em sua opinião, colocar um projeto de lei como o 414 em análise em tempos de eleições não é um movimento que considera oportuno. Até porque a lógica de um período como esse leva a um movimento mais populista do que técnico. Para o acadêmico um processo com essa importância deve ser alvo de uma análise detalhada, pois impacta o segmento da infraestrutura brasileira que é mais organizado e afeta toda a economia. “Não se pode colocar em risco esse setor”, julga.
Prioridades e Propostas
Além da questão da governança setorial, Menel destaca que os outros pontos elencados pelo Fase contemplam a redução de encargos e subsídios, modernização do mercado de energia, aceleração da abertura de mercado e promoção da atração de investimentos.
Para cada um dos temas a entidade apontou as suas propostas. Na governança consta a já debatida necessidade de trazer clareza e delimitar as responsabilidades das instituições. Mas além disso, há ainda a indicação de que é necessário considerar critérios profissionais de seleção aos cargos de liderança no SEB, bem como dedicar pessoas e recursos à questão já citada pela executiva da Abeeólica, as mudanças climáticas.
Aneel também vem sofrendo com as interferências externas que invadem sua área de competência.
Edvaldo Santana, da Neal
O Fase ainda defende entre as propostas para redução de encargos e subsídios a instituição de metas de redução desses valores e que esses sejam suportados pela União e não por meio da cobrança na conta de energia. No capítulo modernização a proposta passa pela transparência a todos os dados da operação, medição inteligente e modernização tarifária. Em Abertura do Mercado a ideia é justamente essa, dar a liberdade de escolha a todos os consumidores. E, para terminar em atratividade de investimentos, priorizar o licenciamento ambiental, simplificar acesso a mecanismos de incentivo, dentre outros temas.
“O setor elétrico é robusto, passamos por uma crise de sobreoferta e uma crise hídrica gigante, sobrevivemos e sem racionamento, o que não ocorre na Austrália, por exemplo. Na Europa vemos que o setor deles não era resiliente, e nós temos tudo isso, mas o que está errado é o preço da energia que está caro”, definiu Menel. “Fizemos um site com diferentes versões de nossas propostas que deixam claro qual é o caminho para o setor elétrico” apontou ele, citando o site onde é possível encontrar desde os tópicos aprovados por 20 das 27 associações que compõem o Fase a até um detalhamento das ações. Para acessar esse site clique aqui.
Para Marcos Madureira, presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica, as discussões têm que ter como objetivo estabelecer um setor mais seguro para a continuidade dos investimentos. E isso passa por processos regulatórios estáveis. Entre os pontos que o executivo citou está a questão dos subsídios e equilíbrio entre os mercados. Ele lembra que a Abradee defende que não existam mais esses incentivos que levam a distorções dentro do setor elétrico. “Toda vez que temos essas distorções vai par a CDE”, destaca.
Ele lembra que a questão da migração do ACR para o ACL é um ponto que deve ser combatido uma vez que os custos ficam para uma base menor de consumidores que acabam tendo que pagar pela rede e pelo lastro, este último, responsável pela segurança para a expansão via renováveis no país. Ele afirma que aprovar o PL 414 é um passo importante uma vez que traz soluções para os legados. E acredita que ainda possa ocorrer nessa legislatura, a despeito do aperto no calendário.
PL 414 é um passo importante uma vez que traz soluções para os legados, ainda há tempo para que seja avaliado este ano mesmo com o calendário apertado das eleições.
Marcos Madureira, da Abradee
O presidente da Associação Brasileira das Companhias de Energia, Alexei Vivan, por sua vez ressalta que a abertura do mercado livre traz um ponto de atenção. Isso por conta do risco cada vez mais elevado de inadimplência que o aumento do volume de clientes no ACL terá. Ele destaca que os agentes que hoje fazem parte do ambiente livre entendem de uma forma distinta suas responsabilidades diante do setor. Mas quando chegar a vez da baixa tensão o risco naturalmente aumenta e esse tema deve ser devidamente endereçado nas regras que serão criadas.
A ABCE foi uma das entidades que não assinou a proposta do Fase. Mas, mesmo assim, acredita que o PL 414 não saia mais esse ano até porque o ambiente não é propício a ações estruturais como é o projeto de lei, reforçando o que disse Nivalde de Castro. Para Vivan, a tendência é de que o clima eleitoral privilegie o imediatismo. Mas de qualquer forma reforça o fato de que o projeto que está na Câmara dos Deputados traz uma importante sustentabilidade para o mercado com todos os pontos que abarca.
Dentre os pontos que o executivo da ABCE chama a atenção está numa futura falta de potência para suportar as renováveis intermitentes. “Precisamos ter cuidado com esses projetos sendo aprovados e manter a segurança do sistema, saber o quanto termos de potência, é relevante ter lastro suficiente”, apontou.
A migração de consumidores em baixa tensão deve ser bem endereçada para evitar o aumento da inadimplência.
Alexei Vivan, da ABCE
Para o presidente da Abragel, Charles Lenzi, esse caminho deveria ser seguido pela retomada da expansão por meio de hidrelétricas com reservatórios. Isso porque a fonte mantém a matriz elétrica brasileira com o alto nível de renovabilidade. Segundo ele, a perspectiva de termos um avanço das fontes limpas sem geração hídrica pode nos levar a ter que dispor de térmicas a combustíveis fósseis.
A Abragel também não consta na lista de entidades que assinaram a proposta do Fase, mas mesmo assim concorda que a manutenção de um ambiente salutar para investimentos é fundamental para o futuro do setor elétrico.
Perspectivas
Gabiati, da Dominium, ressaltou que o setor elétrico é “lamentavelmente sub-representado no Congresso, são poucos os que conhecem o perfil técnico para embasar as discussões”. Por isso, em sua avaliação, o setor tem que repensar a estratégia de como se relacionar com as casas. Até porque com esse vácuo de poder, independentemente do próximo governo, seja ele o mesmo ou um outro, agora que o Congresso avançou dificilmente retrocederá. Então, ele avalia que essa linha de atuação continuará.
“Se o atual governo for reeleito, terá que repactuar a coalização e será muito mais caro para o Executivo, pois seu mandato atual foi mantido a custas da criação de fundos e outras questões, a conta do Congresso virá e será mais elevada”, avalia. “Por outro lado, se o pré candidato Lula for eleito, ele chega com om cacife maior porque o centrão escolheu o barco perdedor e, por isso, terá que baixar o preço cobrado (…). O Centrão terá que concorrer com a ambição represada do PT que ficou longe do poder”, acrescentou ele, ao colocar sua análise apenas nos dois nomes que concentram as intenções de votos atualmente.
Na década de 90, Brasil e a Inglaterra discutiam o mesmo assunto: a abertura de mercado. Por lá abriram e aqui continuamos discutindo o mesmo tema mesmo com o comando legal tendo sido dado com a lei 9074/95.
Rodrigo Ferreira, da Abraceel
Em linhas gerais, para os entrevistados, apesar de o Legislativo ter assumido um papel de protagonismo nas decisões e de ser um ator importante para as regras que permeiam o setor, cabe ao Executivo tomar a frente e estabelecer políticas públicas que deem o norte ao setor elétrico. Aliás, Ferreira, da Abraceel, relembra que um dos comandos existe para encaminhar uma das propostas, que é a abertura do mercado, por meio da lei 9.074/de 1995.
“Na década de 90 nós já falávamos em abertura. Estávamos na vanguarda discutindo os mesmos temas que, por exemplo, a Inglaterra, a diferença é que eles implementaram e nós continuamos a discutir”, finaliza.
Fonte e Imagem: Canal Energia.
https://www.canalenergia.com.br/especiais/53217144/eleicoes-mercado-apresenta-suas-demandas
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