Governo espera que projeto seja aprovado na Câmara até julho, mas nem toda indústria compartilha entusiasmo.

O projeto de lei 414/202, que atualiza o atual marco regulatório do setor elétrico, deve ser aprovado antes do recesso parlamentar, em julho, na avaliação do governo, o que suscita esperanças em parte do segmento. Outra parcela não tem a mesma visão e entende que o tema foi para as “calendas”, sem a menor perspectiva de que a proposta seja aprovada ainda neste ano. “A preocupação é com os cem primeiros dias do próximo governo”, disse um executivo do setor ao Valor sob anonimato.

Há ainda quem veja também uma ação nos bastidores para enterrar o novo marco legal, que tem como principal iniciativa a abertura do mercado livre para a baixa tensão, como consumidores residenciais.

Em participação no 19º Encontro Nacional de Agentes do Setor Elétrico (Enase), semana passada, a secretária-executiva do Ministério de Minas e Energia (MME), Marisete Pereira, disse que a pasta está otimista com a aprovação do PL antes do recesso. “Devemos ter novidades na semana que vem [esta semana]”, afirmou na abertura do evento.

No encontro, presidentes de empresas do setor também viram espaço para a aprovação do projeto de lei, apesar do calendário eleitoral. “Um mercado livre, com tarifas diversificadas e novos recursos integrados será sem dúvida de grande benefício para os clientes”, disse o presidente da Enel Brasil, Nicola Cotugno.

Também presente às discussões, o presidente da 2W Energia, Claudio Ribeiro, disse que a aprovação do PL 414/2021 é importante para atrair investimentos para o país e ajudar a reduzir desigualdades sociais: “Ainda acho que há espaço para o projeto ser votado neste ano, talvez nas próximas semanas ou na janela pós-eleições. O problema é que estamos em um ano eleitoral e as vezes se usa esses instrumentos para fazer demagogia, mas temos parlamentares sérios olhando a questão”, afirmou.

Executivos do setor destacaram também a necessidade se rediscutir as tarifas do setor elétrico. “A pressão que temos hoje de tarifas elevadas é fruto de subsídios, impostos elevados e de decisões não técnicas que tivemos, além da expansão não eficiente do setor”, disse o presidente da distribuidora CPFL Energia, Gustavo Estrella.

Marisete Pereira, do MME, disse que uma das premissas do novo marco legal é a alocação de custos e riscos, expressão que pode ser traduzida como o compartilhamento dos custos com todos os agentes. Há quem tenha a leitura de que ela cumpriu seu papel, como governo, de “manter a chama acesa”. Por outro lado, a fala de Marisete não seria uma visão otimista, mas uma certeza. O PL 414 está sob tramitação em uma comissão especial, em caráter terminativo. Significa que após a aprovação segue para o Senado, casa de origem, para manutenção ou exclusão das alterações feitas pelos deputados.

Essa comissão tem como presidente o deputado Cacá Leão (Progressistas-BA) e como relator o deputado Fernando Coelho Filho (União Brasil-PE), ex-ministro de Minas e Energia. Ele foi o relator do PL quando a matéria chegou à Câmara. A comissão tem cinco sessões plenárias para receber emendas e está prevista a realização de esforço concentrado pelos parlamentares, o que resultaria na conclusão da análise nesta ou na próxima semana.

Há a possibilidade de o tema ser votado no plenário, caso a oposição decida pela iniciativa. É algo que depende do PT, que tem número de deputados igual ou superior a 10% do total de 513 parlamentares. Ainda assim, haveria tempo para votação porque o presidente da Câmara, Arthur Lira, poderia pautar o tema com urgência. O recesso parlamentar tem início em 18 de julho e vai até 1º de agosto.

No centro do debate está uma suposta emenda “jabuti” que cria o Brasduto, programa de financiamento de novos gasodutos que levariam o gás natural para as usinas térmicas previstas pela Lei da Eletrobras, de implantação compulsória, progressivamente até 2030, com 8 gigawatts (GW) de capacidade instalada.

Fontes ouvidas pelo Valor disseram que o envio do PL para esta comissão especial não significa a paralisia das discussões. Depois de muitas negociações, Coelho entregou às associações uma versão preliminar de seu relatório, antes do Carnaval. No entanto, reportagens que circularam na imprensa provocaram reações de Arthur Lira, segundo pessoas que participam dos debates sobre o tema. De acordo com uma das reportagens, de “O Estado de S. Paulo”, o “jabuti” do Brasduto, que criaria um fundo de R$ 100 bilhões para os gasodutos, seria considerado prioritário para Lira e para o Centrão. A emenda foi apelidada de “Centrãoduto”.

Até então Lira havia se comprometido com Coelho que pautaria o tema para tramitar com urgência. Com a repercussão do tema, a suposta inclusão da emenda ficou comprometida. Assim, a comissão teria que chancelar ou enterrar de vez o Brasduto. Porém, o Valor apurou que essa emenda nunca existiu no relatório de Coelho.

“Ele olhou nos olhos de cada um [presidente de associações setoriais] e disse que se comprometeu a não aprovar emenda que colocasse o duto no colo do consumidor”, disse uma das fontes, que falou sob a condição de anonimato dada a sensibilidade do tema.

Essa comissão foi a forma que Lira encontrou para se resguardar, dando à matéria o rito normal na casa e abrindo espaço para que as emendas sejam apresentadas – e tornadas públicas, deixando espaço para que as digitais do autor do “jabuti” apareçam, se for o caso.

Inúmeras mudanças aconteceram durante a tramitação do PL. O início da trajetória do “PL da modernização do setor elétrico” se deu em 2016, como PL 232. Depois de inúmeros debates, só no ano passado o PL foi aprovado e seguiu para a Câmara.

Nesse meio tempo, o projeto de lei, que era chamado de “PL da portabilidade da conta de luz”, porque previa a redução dos limites para a migração ao mercado livre para a baixa tensão, se tornou o caminho para viabilizar a chamada modernização do setor elétrico. Sempre foi consenso no mercado que o atual marco regulatório, de 2004, precisava mudar.

Em todos esses debates sobre a modernização do setor elétrico, surgiram várias emendas, como o suposto “jabuti”. A emenda do Brasduto poder ter sido utilizada como anteparo de interesses contrários à abertura do mercado livre.

Em 2017, só podiam migrar para o mercado livre consumidores com carga mínima de 3 megawatts (MW), mas desde 2019 esses valores vêm sendo reduzidos anualmente em 0,5 MW. Hoje o piso de migração é de 1 MW. Em paralelo, consumidores com carga de 0,5 MW podem migrar para o mercado livre desde que a energia seja adquirida de usinas eólicas, solares, à biomassa ou de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), renováveis que foram denominadas fontes incentivadas. Para estimular a construção dessas usinas, o marco legal atual prevê a concessão de descontos (subsidiados) no uso de sistemas de transmissão ou de distribuição.

Esse aumento do mercado livre, hoje de 35% do consumo de energia, somado à economia tíbia há vários anos, entre outros fatores, fez com que as distribuidoras tivessem baixa necessidade de contratação de energia para os próximos anos, deixando evidente o esgotamento do modelo em que a expansão da oferta é baseada no planejamento do consumo feito pelas distribuidoras e na energia assegurada das usinas.

aO PL 414 pretendia corrigir essa distorção, separando o lastro (a potência da usina) dos contratos de energia. Em linhas gerais, a ideia é que todos os consumidores de energia remunerem as usinas pela potência adicionada ao sistema. Além disso, como as distribuidoras ficariam sobrecontratadas com uma potencial migração em massa, o PL previa um compartilhamento dos custos desse excedente com todos os consumidores, inclusive os que já estão no mercado livre, o que poderia elevar custos para empresas que têm a eletricidade como principal insumo nos respectivos processos produtivos.

Fonte e Imagem: Valor Econômico.
https://valor.globo.com/brasil/noticia/2022/06/13/marco-do-setor-eletrico-recupera-folego.ghtml

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