Transição é desafio de dimensão e profundidade nunca vista antes.

As transformações verificadas no mundo moderno ocorreram sob uma dinâmica competitiva, impulsionadas por inovações tecnológicas na busca incessante de ganhos de produtividade, eficiência e melhoria da qualidade de vida. Esta dinâmica disruptiva mais intensa data da primeira Revolução Industrial do século XVIII e manteve-se até fins do século XX. A partir daí, porém, a história é outra. O aquecimento global, risco real que paira sobre a humanidade, está impondo uma metamorfose da sociedade com foco na transição energética, para garantir a sustentabilidade mundial.

A mobilização da sociedade civil e, consequentemente, de fundos de investimentos globais nessa direção, dão o claro recado de que devemos aprofundar não só a definição de soluções estruturais, como também mostrar ações concretas no âmbito da descarbonização. Em uma época na qual se discute tanto o teto de gastos, que não pode ser ultrapassado, o entendimento é de que o teto climático do planeta já chegou e não conseguimos extrapolar esse limite.

Todas as fábricas das montadoras terão de ser reconvertidas, com impactos profundos na cadeia de valor

O maior desafio desta transição é a necessidade de converter todas as cadeias produtivas de bens, serviços e padrões de consumo que hoje utilizam energia de fontes não renováveis e poluidoras para fontes renováveis até 2050-2060. Somente desta forma será possível reduzir as emissões de gases de efeito estufa, de modo a evitar as adversidades climáticas, como incêndios, chuvas torrenciais, crises hídricas, diminuição rápida das geleiras, temperaturas extremadas etc.

Portanto, está em curso um intenso, denso e tenso processo de transição energética, que possui três vetores centrais, conhecidos pelos três D’s: digitalização, descarbonização e descentralização. Trata-se de um desafio de tamanha dimensão e profundidade, nunca verificado na história do mundo moderno.

A digitalização é um importante instrumento para acelerar a transição energética. Processos e sistemas de produção das cadeias de valor e de consumo estão sendo digitalizados, possibilitando conectar “tudo com tudo”. A digitalização permite firmar as bases operacionais para a resiliência e a flexibilização de uma sociedade verde, que será acelerada com a difusão da tecnologia 5G.

O volume massivo e inimaginável de dados derivados da digitalização transformará modelos de negócio, a produção e a economia como um todo, criando um universo de novas oportunidades. Por outro lado, aumentará a vulnerabilidade dos indivíduos, negócios e infraestruturas, o que exigirá um esforço concentrado na criação de barreiras defensivas de cyber security, demandando investimentos elevados e regulações nacionais e internacionais consistentes.

O segundo D é a descentralização do setor energético. A expansão da capacidade de geração de energia elétrica, que sempre foi muito centralizada em grandes usinas conectadas ao sistema de transmissão, está se descentralizando, tendo como base a expansão das energias eólica e solar. Estas são unidades produtivas menores, mais modulares, construídas em espaços geográficos mais dispersos. Um claro exemplo são os consumidores que instalam painéis fotovoltaicos, transformando-se em produtores de energia solar conectados diretamente às redes de distribuição.

Outro conceito que vem ganhando cada vez mais força no mercado é o de “Energy as a Service”. Nesse modelo, ao invés de aumentar seus investimentos em ativos que não se relacionam com seu negócio, as companhias confiam esse fornecimento à empresa especializada em energia, que se responsabiliza por toda a operação.

Por fim, o D mais importante é a descarbonização, foco central da transição energética, cujo objetivo é converter tudo o que produz e utiliza recursos energéticos poluidores para utilizar somente recursos renováveis. Uma metamorfose sem precedentes digna de um filme de ficção científica.

Um ilustrativo exemplo do processo de mutação energética de atividades econômicas é a indústria automobilística. Por ser o segundo setor produtivo mundial que mais emite gases de efeito estufa, só abaixo do setor elétrico, as políticas públicas estão impondo restrições severas e com datas para reduzir a produção de veículos a combustão, substituindo-os por veículos elétricos.

Ou seja, todas as plantas produtivas deverão ser reconvertidas, com impactos profundos na cadeia de valor, impondo alterações desde a indústria de autopeças até os postos de abastecimentos. Processos análogos aos quais o economista austríaco Schumpeter cunhou por “destruição criadora” irão ocorrer nas indústrias siderúrgica, nas refinarias, na indústria química e em diversas outras cadeias produtivas mundiais.

Esta metamorfose ocorrerá, cada vez mais, subordinada às metas de descarbonização definidas por acordos internacionais, apoiada em programas, políticas públicas e incentivos financeiros e regulatórios governamentais. Os países desenvolvidos serão, naturalmente, os líderes deste processo, por terem bases tecnológicas consolidadas e capacidade de financiar as inovações tecnológicas e as conversões das plantas industriais. No seu todo, a conjugação de investimentos públicos e privados viabilizarão um novo ciclo de desenvolvimento econômico mundial, graças à criação de novas cadeias produtivas verdes, que configurarão novos padrões de consumo.

Fonte e Imagem: Valor Econômico.
https://valor.globo.com/opiniao/coluna/uma-metamorfose-energetica-mundial.ghtml

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