Perda de força dos preços, porém, se deve ao fato de o IBGE calcular o IPCA cheio com base na bandeira vigente em dezembro de cada ano
Por Anaïs Fernandes e Letícia Fucuchima
Apesar da perspectiva hídrica ruim para 2022, a expectativa dos economistas é de desaceleração da inflação de energia no ano que vem. A devolução, no entanto, é apenas parcial e, no bolso do consumidor, os efeitos são mais negativos.
A energia residencial no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subirá pouco mais de 20% neste ano, segundo economistas, vindo de 9,14% em 2020. O índice cheio, por sua vez, deve saltar 8,29% em 2021, pela mediana das projeções colhidas ontem pelo Valor com cem instituições financeiras e consultoria.
Considerando apenas a mudança da bandeira tarifária de “escassez hídrica” (mais R$ 14,20 para cada 100 quilowatt-hora consumidos), criada para fazer frente à crise atual, no fim de 2021 para vermelha 1 (R$ 3,97) ao término de 2022, a energia poderia registrar queda de 12% no IPCA do próximo ano, segundo Tatiana Nogueira, economista da XP. Com a previsão de um reajuste anual médio de 9% nas distribuidoras, contra 5,6% estimados neste ano, porém, ela projeta uma deflação de 6,2%.
Sem isso, o IPCA de 2022, para o qual a XP espera 3,7%, afastaria-se muito mais do centro da meta (3,5%), indo a 4,3%. “Grande parte da desaceleração da inflação em 2022 vem da contribuição desinflacionária da energia elétrica.” Para fins de cálculo do IPCA cheio, o que interessa é a bandeira vigente em dezembro de cada ano, lembra Tatiana. “Para o IBGE, pouco importa se ela subiu ou desceu ao longo do ano. O efeito é o mesmo se a bandeira cair em janeiro ou só em novembro.” Para o consumidor e a percepção de perda de renda, porém, o impacto é outro. “É bem diferente pagar R$ 14,2 a mais por um mês ou por 11 meses.”
Um cenário hidrológico muito favorável – com um El Niño trazendo mais chuvas para o centro-sul do Brasil, por exemplo – poderia retirar mais 0,13 ponto percentual (p.p.), segundo Tatiana. Ela e outros economistas ponderam, no entanto, que esse horizonte é pouco provável.
“Se passarmos por uma resolução completa, os reservatórios encherem e a bandeira verde retornar, teríamos ajuda de 1 p.p. para baixo no IPCA em 2022. Mas não acreditamos que vá acontecer. O cenário é bem mais restritivo”, diz Gustavo Arruda, economista-chefe do BNP Paribas. Ele vê IPCA de 4,5% em 2022 – acima da mediana colhida pelo Valor (4,1%) – e de 9% neste ano. “É uma desaceleração considerável, mas estamos menos confiantes com a ajuda que o setor de eletricidade poderá dar.”
Recentemente, a LCA Consultores mudou sua previsão de bandeira amarela para vermelha 1 ao fim de 2022. Considerando ainda um reajuste médio de 16% nas distribuidoras, a casa espera alta de cerca de 6,5% na energia no próximo ano, contra 20,5% neste. “Não tem uma devolução, tem uma pressão menor”, afirma o economista Fábio Romão, projetando 4,5% para o IPCA do próximo ano.
Além de não estar com uma boa expectativa para o próximo período úmido, Elisa Machado, economista-chefe da ARX, que também espera 4,5% para a inflação de 2022, lembra que mesmo a bandeira de escassez hídrica não dará conta de cobrir todos os gastos adicionais com térmicas. “Tenho a expectativa de que a bandeira continue alta no ano que vem”, afirma.
Mas há amortecedores. Do lado do setor elétrico, uma série de medidas tomadas recentemente pelo governo e pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) ajudará a conter os reajustes tarifários nas distribuidoras, que chegaram a ser calculados em mais de 20%.
Três casas consultadas pelo Valor trabalham na mesma direção. Precificando o pior cenário hidrológico possível, com acionamento total das termelétricas, a consultoria PSR estima um índice de reajuste de 5% (nominal), na média Brasil, em 2022 – ante projeção inicial de 22%, que não levava em conta medidas de modicidade tarifária. Na TR Soluções, empresa de tecnologia aplicada ao setor elétrico, a estimativa de reajuste médio caiu de 18,61% para 1,81%. Já na Thymos Energia, a previsão é de 7,67%.
Em todos os casos, os cálculos incluem três medidas principais: a bandeira “escassez hídrica”, a antecipação de R$ 5 bilhões da capitalização da Eletrobras para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que vai reduzir os encargos pagos pelos usuários, e a reversão, aos consumidores, de créditos tributários pela exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins.
No cenário da PSR, a nova bandeira ajudou a reduzir em 9 p.p. a estimativa inicial. O mecanismo vai antecipar um volume relevante de recursos para as distribuidoras até abril de 2022, diminuindo o montante que seria eventualmente embutido na conta dos reajustes. “A bandeira faz muita diferença, é muito significativa em termos de arrecadação”, afirma Luiz Barroso, presidente da PSR. Segundo a consultoria, a nova bandeira eleva em quase um quinto a tarifa residencial.
No caso dos valores de ICMS cobrados indevidamente na conta de luz, segundo a Aneel, estão em jogo cerca de R$ 50,1 bilhões – R$ 26,5 bilhões já habilitados na Receita Federal. No entanto, o tema carrega incertezas: o regulador ainda precisa definir a forma e o prazo do ressarcimento, e é possível que haja um embate com as distribuidoras, que entendem que deveriam ficar com uma parcela.
Segundo a TR Soluções, até agosto deste ano, já haviam sido revertidos cerca de R$ 7 bilhões em favor dos consumidores, e a expectativa é de mais R$ 1 bilhão ainda em 2021. “Partindo do pressuposto de que todas as distribuidoras revertam créditos tributários em 2022, pode-se esperar que, num cenário otimista, o volume de recursos atinja o patamar de R$ 11,6 bilhões”, diz a TR.
Apesar das ações, a tendência de escalada tarifária permanece. Pelos cálculos da TR Soluções, o valor médio de R$ 545,27 por megawatt-hora (MWh) em 2021 é 109% superior ao verificado em 2012.
Fonte e Imagem: Valor Econômico
https://valor.globo.com/brasil/noticia/2021/09/17/inflacao-de-energia-deve-desacelerar-em-2022-mas-alivio-no-bolso-sera-parcial.ghtml
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