“Após crise, setor elétrico deve passar por revisão”, diz ex-presidente da Aneel


Jerson Kelman diz que probabilidade de racionamento de energia no Brasil varia de 2% a 8%, mas que risco de blecautes “é bem mais elevada”

Por Anaïs Fernandes

Superada a atual crise hídrica, será necessário promover uma nova revisão do setor elétrico brasileiro, defendeu Jerson Kelman, ex-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA) e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), ao participar ontem da Live do Valor.

Considerando os cenários mais prováveis, na sua opinião, entre os mais de mil traçados pela consultoria PSR, Kelman disse que a probabilidade de racionamento de energia no Brasil varia de 2% a 8%. “Nada para perder o sono”, afirmou. Engenheiro, Kelman comandou a Sabesp (2015-2018) quando São Paulo esteve perto de ver um colapso de seus mananciais.

Já a chance de blecautes “é bem mais elevada”, disse ele, referindo-se a interrupções no fornecimento de energia em alguns locais e por pouco tempo. Em cerca de 40% dos cenários da PSR seria necessário usar alguma reserva, o que “é muito”, segundo Kelman. “Não é nada confortável. É como se você estivesse no seu carro usando a reserva de gasolina”, comparou.

Crises e secas devem trazer atenção, mas não pânico, afirmou o especialista, avaliando que, hoje, os agentes operam no Brasil com muitos sustos. “Essa situação não é razoável”, disse. “Temos que passar pela seca com custo maior, mas sem sobressaltos, temor de racionamento.” O custo maior é inevitável quando térmicas precisam ser acionadas para suprir a demanda de energia. Nesse sentido, Kelman disse que “o dano econômico já está dado e pode ficar pior”.

Embora não acredite que o governo federal esteja escondendo a gravidade da situação, o especialista avaliou que faltou uma iniciativa mais permanente de comunicação em massa para explicar os desafios à população e incentivar a economia de energia. “A melhor coisa é transparência completa e comunicação plena.”

Agora, além dos já anunciados programas para incentivar a redução dos gastos domésticos e a mudança de horário de consumo de pico no setor produtivo, são elementos fundamentais para diminuir a chance de racionamento, segundo Kelman, importar energia da Argentina e do Uruguai, ligar algumas térmicas que ainda estão desligadas por falta de gás e colocar mais cedo em operação térmicas que estão sendo finalizadas, entre outras ações.

Sob o ponto de vista hidrológico, ele explicou que a situação brasileira nos últimos sete anos é “levemente pior” do que na década de 1950, quando houve uma seca histórica no país. Os reservatórios vão chegar em novembro com nível muito baixo, “não tem escapatória”, disse ele, reconhecendo que a situação é assustadora. Além da falta de chuvas, porém, há também erros de planejamento no médio e no longo prazo, observou.

Para ele, térmicas mais baratas não foram ligadas mais cedo por falhas de governança. Kelman explicou que hidrelétricas têm restrições operativas: precisam, por exemplo, soltar determinado volume de água no rio para a manutenção da vida aquática. O Operador Nacional do Sistema (ONS) percebeu, em fevereiro, que, para atender essas determinações, precisava esvaziar reservatórios e pediu à ANA permissão para diminuir as restrições, contou Kelman. “Mas tem de solicitar permissão também ao Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente], que já concedeu anteriormente. O ONS pede, então, à empresa dona da usina que entre em contato com o Ibama. Ou seja, um assunto de interesse estratégico do país passa a ser tratado como algo de uma empresa”, disse, indicando que isso tornou o processo mais lento.

No longo prazo, segundo Kelman, o problema é o mesmo que levou à crise de 2001: superestimação da capacidade das usinas hidrelétricas e térmicas de atender a demanda. Ele coordenou um estudo em 2001 que apontou as causas do racionamento, conhecido como “Relatório Kelman”. “Temos que cair na real e verificar o que está de fato disponível para produção de energia elétrica”, afirmou ele.

Uma reforma do setor precisará valorizar o atributo de cada fonte de energia, disse Kelman. As energias renováveis são muito desejáveis, reforçou, até para permitir a economia temporária de água nos reservatórios das hidrelétricas. Mas Kelman defendeu que subsídios já não são mais necessários. “A competição de diferentes fontes tem que ser com base econômica”, afirmou.

Para Kelman, o Brasil também errou no passado recente ao eliminar a possibilidade de expansão de hidrelétricas com reservatórios. Ele reconheceu que o assunto é complexo, “mas não conseguimos nem sequer identificar os locais onde essas usinas poderiam ser construídas, se for o caso”, criticou.

Fonte e Imagem: Valor Econômico
https://valor.globo.com/brasil/noticia/2021/09/09/apos-crise-setor-eletrico-deve-passar-por-revisao.ghtml

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