G1 – Economia – 01/09/2021
Por Luiz Guilherme Gerbelli, G1
Seca piora cenário da inflação para as famílias, aumenta o custo de produção da indústria e deve fazer com que o Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio registre a primeira queda desde 2016.
A crise hídrica que atinge o Brasil afeta a economia em várias frentes e torna ainda mais frágil a expectativa de uma recuperação robusta da atividade econômica, depois de um resultado pífio no segundo trimestre deste ano: segundo dados divulgados nesta quarta-feira (1) pelo IBGE, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro recuou 0,1% no segundo trimestre deste ano.
De imediato, a seca tem levado ao aumento do preço da conta de luz e se transformou em mais uma pressão inflacionária para a população – que já sofre com a alta de combustíveis e alimentos. A indústria também enfrenta um reajuste no custo de produção num cenário em que a há pouca margem de manobra para absorver novos choques.
Por fim, a seca ainda deve fazer com que o Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio recue pela primeira vez desde 2016.
“Estão se unindo fatores que são limitadores para o crescimento do PIB nos próximos trimestres e que pesam (para a atividade) em 2022”, afirma Alessandra Ribeiro, economista e sócia da consultoria Tendências.
“Estão se unindo fatores que são limitadores para o crescimento do PIB nos próximos trimestres e que pesam (para a atividade) em 2022”, afirma Alessandra Ribeiro, economista e sócia da consultoria Tendências.
O impacto total da seca no PIB do Brasil ainda é difícil de ser mensurado pelos economistas. O tamanho da crise – se o país vai precisar adotar um racionamento, por exemplo – só vai ficar mais claro nos próximos meses, a depender da quantidade de chuva nos reservatórios.
O que é possível afirmar é que a crise hídrica aumentou de gravidade nos últimos dias. Na semana passada, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) informou que a capacidade atual do país de geração de energia elétrica será insuficiente para atender à demanda a partir de outubro.
“Dado o nível atual dos reservatórios, se a gente chegar em outubro, novembro, e a chuva não vier, o risco (de racionamento) aumenta”, diz Luciano Sobral, economista-chefe da Neo Investimentos.
“Dado o nível atual dos reservatórios, se a gente chegar em outubro, novembro, e a chuva não vier, o risco (de racionamento) aumenta”, diz Luciano Sobral, economista-chefe da Neo Investimentos.
Papel do governo na crise
No discurso, por ora, o governo reconhece a gravidade da situação, mas descarta um racionamento – embora tenha adotado uma série de medidas para tentar evitar um apagão:
Para os especialistas, no entanto, o governo federal está demorando a tomar medidas efetivas para evitar o esgotamento do sistema.
Em entrevista ao G1, Renato Queiroz, pesquisador do Grupo de Economia da Energia do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirmou que há atraso na reação do governo diante do problema. Ele entende que mais usinas termelétricas já deveriam ter sido acionadas. Elas produzem energia mais cara, a partir da queima de combustíveis como óleo ou gás.
“Já sabíamos que 2021 seria problemático. E o que deveria ser feito? Segurar água nos reservatórios e colocar mais térmicas para despachar. Por que não faz isso? Porque nossa conta de luz já é muita cara”, explicou o pesquisador.
“Já sabíamos que 2021 seria problemático. E o que deveria ser feito? Segurar água nos reservatórios e colocar mais térmicas para despachar. Por que não faz isso? Porque nossa conta de luz já é muita cara”, explicou o pesquisador.
Especialistas também apontam alguns erros de planejamento que ajudam a explicar as crises hídricas recentes.
“O país ficou 20 anos construindo usina hidrelétrica sem reservatório [exemplo Belo Monte, que opera a fio d’água, conforme a quantidade de água existente no rio]. Em 20 anos quase dobrou a demanda por energia e continuamos com o mesmo tamanho de reservatórios de água”, afirmou ao G1 Paulo Arbex, presidente da Associação Brasileira de usinas hidrelétricas e pequenas centrais hidrelétricas.
Impacto no PIB
Se um eventual cenário de racionamento se confirmar e o governo determinar uma redução de 10% no consumo de energia para todos os setores por um período de um ano, o impacto deve ser de 1,5 ponto percentual no PIB, segundo cálculos realizados pela Genoa Capital.
O mesmo exercício mostra que, se o governo optar por um racionamento de 20% apenas para reduzir o consumo das famílias, também no prazo de um ano, o impacto na atividade seria de 1 ponto.
“Pode ser bem complexo fazer essa queda do consumo residencial”, afirma o economista-chefe da Genoa Capital, Igor Velecico. “Em anos anteriores, existiam gaps de eficiência em que era possível fazer a troca de lâmpadas, geladeiras (para economizar). Hoje, esses gaps são muito menores e há uma parcela maior das pessoas trabalhando em home office.”
“Pode ser bem complexo fazer essa queda do consumo residencial”, afirma o economista-chefe da Genoa Capital, Igor Velecico. “Em anos anteriores, existiam gaps de eficiência em que era possível fazer a troca de lâmpadas, geladeiras (para economizar). Hoje, esses gaps são muito menores e há uma parcela maior das pessoas trabalhando em home office.”
Veja em detalhes os impactos da crise hídrica já sentidos na economia brasileira:
Aumento da inflação
No dia a dia da população, a crise hídrica já se revela com um impacto direto na inflação.
Com os reservatórios em baixa, o Brasil não pode depender apenas das hidrelétricas para garantir o abastecimento de energia no país. A solução tem sido acionar as termelétricas, aumentando o custo de geração, o que deixa a conta de luz mais cara todo mês.
Em 12 meses até julho, a energia elétrica residencial subiu 20,09%, de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). E o custo da energia não vai cai tão cedo.
Na terça-feira, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) anunciou a criação da “bandeira tarifária escassez hídrica”. Ela entra em vigor nesta quarta e vai adicionar R$ 14,20 às faturas para cada 100 kW/h consumidos. As contas de luz devem subir mais 7%.
Quando sobe a inflação, ela reduz o poder de compra dos brasileiros, atingindo diretamente o consumo. E essa a subida dos preços é ainda mais perversa para as famílias de baixa renda.
Os mais pobres têm uma capacidade menor de absorver esses choques inflacionários – portanto, qualquer aumento de um item essencial provoca um impacto grande no custo de vida da população que ganha menos no país.
Os números do Instituto de Pesquisa Economia Aplicada (Ipea) têm traduzido bem esse movimento. Também nos 12 meses acumulados até julho, a inflação para as famílias de renda muito baixa (menos de R$ 1.650,50 por mês) chegou a 10,05%. Entre os mais ricos (renda maior que R$ 16.509,66 por mês), o avanço foi de 7,11% no mesmo período.
“O aumento da energia elétrica afeta o orçamento das famílias e reduz o poder de compra dos brasileiros”, afirma Alessandra, da Tendências. “E não é só a energia elétrica. Há outras altas importantes relacionadas a alimentação e combustível, por exemplo.”
“O aumento da energia elétrica afeta o orçamento das famílias e reduz o poder de compra dos brasileiros”, afirma Alessandra, da Tendências. “E não é só a energia elétrica. Há outras altas importantes relacionadas a alimentação e combustível, por exemplo.”
Custo maior para a indústria
A energia mais cara também faz com que a indústria enfrente uma alta de custo na produção. É mais uma entreve para o setor, que ainda não conseguiu se recuperar totalmente dos estragos provocados pela pandemia.
No início de agosto, um levantamento realizado pela Confederação da Nacional da Indústria (CNI) mostrou que a crise hídrica era uma preocupação para 90% dos empresários do setor.
Entre os empresários com algum grau de preocupação, os maiores temores eram, de acordo com a CNI, com o aumento do custo da energia (83%), a possibilidade de racionamento de energia (63%) e a instabilidade ou interrupções no fornecimento de energia (61%).
“O setor industrial vinha passando por um momento muito difícil e que foi agravado pela pandemia”, afirma Roberto Wagner, especialista em energia da CNI. “A indústria não tem margem de manobra para evitar um repasse desses custos. A tendência é que isso acabe sendo incorporado nos custos dos produtos.”
“O setor industrial vinha passando por um momento muito difícil e que foi agravado pela pandemia”, afirma Roberto Wagner, especialista em energia da CNI. “A indústria não tem margem de manobra para evitar um repasse desses custos. A tendência é que isso acabe sendo incorporado nos custos dos produtos.”
Agronegócio em queda
A seca também deve impor uma perda para o PIB do agronegócio. Será a primeira retração desde 2016, de acordo com a consultoria Tendências.
“Essa questão climática afetou de maneira importante as projeções (para o setor)”, afirma Alessandra. “O país vem de bons anos de crescimento do PIB do agronegócio. Para 2021, tínhamos até uma estimativa positiva, uma alta ao redor de 2%.”
Agora, a Tendências estima uma retração de 0,4% para o PIB agro. Esse número vai ser influenciado pelos seguintes quedas na produção deste ano em relação a 2020:
Milho: 15,5% de redução;
Algodão: 22% de recuo;
Café: 22,6% de retração.
“No terceiro e no quatro trimestres, o PIB do agronegócio vai ser negativo”” afirma José Francisco Gonçalves, economista-chefe do banco Fator. “Este ano ele vai acabar mal e é possível ter uma retração ainda maior a depender do que aconteça.”
O agronegócio, embora seja um limitador para a atividade econômica do país, não tem grande potencial para afetar o resultado da economia como um todo. O setor responde por 7% do PIB total do país.
Fonte: G1
01.09.2021
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